um bom investimento


Confesso a minha ignorância: nunca tinha ouvido falar em economia social. Sempre achei que não ter um tostão furado, dormir pelas ruas, recorrer à sopa dos pobres, eram cancros a erradicar da sociedade. Agora, já não. Graças aos homens bons que nos governam fez-se-me luz, fiquei a saber que a pobreza dá dinheiro, cria empregos, faz andar o País para a frente. Para a frente de um comboio, em jeito de suicídio. Fabricam-se desempregados para se criar emprego. Gera-se pobreza para se produzir riqueza. Tiram-se abonos de uns poucos euros para se atribuírem subsídios de muitos milhões. Recuámos aos tempos de Salazar. Ou pior. Pobrezinhos mas honrados, pobretes mas alegretes e, sobretudo, muito, muito empreendedores. A minha enxerga a céu aberto é melhor do que a tua. Lar, doce lar numa das barracas que voltarão a sujar a paisagem, uma esmolinha por caridade, um papo-seco por amor de Deus. Economia social, dizem eles. O deve e o haver das sopas que se dão, a contabilidade dos pães que se distribuem, dos trapos que se oferecem, da miséria que grassa como peste negra. Economia social, dizem eles. Faça-se o bem mas olhe-se a quem. Roube-se ao pobre, ao remediado, ao velho, ao doente, aos acomodados que conservam os empregos e aos párias que os perderam por incúria e mandriice. Ampare-se a banca, protejam-se as empresas dos lucros colossais com sedes na estranja para fugir aos impostos e invista-se - ah sim, invista-se que nós somos almas generosas - na economia social. Faça-se a esmola de alimentar quem tem fome, de salvar quem está doente, de albergar quem perdeu casa, futuro e dignidade. É um bom negócio, sem riscos, um dia destes cotado na bolsa, com bónus para administradores, dividendos para accionistas, alcavalas para sócios, parceiros, os amigalhaços do costume.

Desculpem a minha ignorância. Agora sei, cada vez sei mais do que esta gente é capaz. Ponham-se os desempregados a desmatar, os indigentes a mendigar, os ricos a dadivar as sobras e a sacudir as consciências emporcalhadas com as notas extorquidas em nome da economia. A social também.

Se Deus existe, Ele que nos salve. De alguns homens, dos activos tóxicos do capitalismo de casino e de hospício, nada de bom virá ao mundo.

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