a mentira, a manipulação e o preconceito
Por Baptista Bastos
Num programa diário de televisão foram ouvir transeuntes comuns. Este tipo de declarações vale o que vale, já sei, mas lá que vale alguma coisa, vale. Perguntava-se às pessoas se já haviam sentido a crise. Registou-se uma unanimidade concludente. O português médio anda atordoado com os impostos, com as taxas moderadoras, com o aumento de tudo o que é indispensável ao viver corriqueiro. Agora, está a cortar na alimentação. Uma professora revelou que come um exíguo pequeno-almoço, uma segunda refeição tardia e, à noite, nicles!, um chá "para aquecer o estômago."
A história dramática daquela professora não é, infelizmente, única. E é bom que repitamos, para governo nosso e memória futura, estes factos que estão, lenta e cruelmente, a corroer o que a nação possui de mais importante: o povo. Quem tem acesso à comunicação geral não pode, nem deve escamotear a realidade nem calar a voz das suas indignações. A tendência para a banalização dos acontecimentos encontra sempre respaldo no silêncio ou na negligência dos "media."
No mesmo programa a que me refiro, uma outra senhora, que disse ser funcionária pública, e estar, "diariamente, a contar os tostões para tentar sobreviver", não escondeu o desespero e a revolta ao afirmar: "Não sei o que nos está a acontecer. Dizem que gastámos acima das nossas possibilidades! Mentira, mentira! Nunca dei por isso. Sempre tive pouco dinheiro. Agora, estou a pagar por uma crise que não provoquei, e nem sequer sei do que se trata." Estas expressões tornaram-se vulgares. E, de facto, ninguém explica o que, rigorosamente, aconteceu, para que Portugal e outros países europeus sejam culpados de crimes que não cometeram, e os seus povos esmagados pelo peso de um pagamento de que não são credores.
As origens deste descalabro não podem ser unicamente apontadas à especulação financeira. O capitalismo está mergulhado numa crise que será sangrenta se as forças progressistas se lhe não opuserem. O projecto neoliberal não é, somente, político-económico: é ideológico, e tende a transformar o pacto social num tapete onde uma casta limpa os pés. Ainda há dias, o antigo primeiro-ministro grego Papandreu, vaticinou que Portugal seguia o mesmo caminho da Grécia, não se dera o caso de se unir esforços, no sentido de inverter a tendência para a miséria. Ouvimos o político grego, procedente de uma distinta família, cultural e politicamente de Esquerda, e fazemos comparações com os discursos oficiais portugueses, que só nos conduzem ao espanto. Quando Passos Coelho nos adverte que vamos empobrecer para, depois, nos reerguer, a declaração só pode suscitar dois sentimentos: de repulsa e de cólera. Ainda por cima é a admissão da incapacidade de combater a propensão: um fatalismo medíocre e cabisbaixo, muito a ver com as "teorias" e os "princípios" do salazarismo. Pobrezinhos mas honrados.
Poucos temos que nos defendam destas atrocidades. O próprio dr. Cavaco, em acentuado declínio, e em estação de ajustes de contas menores, não está à altura dos problemas que enfrentamos, tanto mais que parece apoiar as coisas que o Executivo pratica. O PS é o que é, para ser o que sempre foi. Um partido "de poder", sem curar de constituir uma alternativa, e sempre preocupado com a "alternância." António José Seguro parece um realejo, sem ideias inovadoras, e desprovido do carisma de que, apesar de tudo, os chefes partidários precisam, por imposição do "marketing" e dos novos modos de cativar pessoas.
O PCP e o Bloco de Esquerda cumprem o seu papel de partidos contestatários e de travão aos desmandos do poder. Dir-se-á que pouco podem fazer; talvez. Mas muitas coisas estariam pior não fosse a intervenção deles. E também constituem forças morais e éticas num período da História em que, parece, esses valores e padrões soçobram, ante as investidas actuais. Não é necessário ser comunista ou bloquista para se compreender a natureza de certos partidos. E o preconceito ideológico, sabiamente organizado e dirigido, prejudica, inclusive, o conhecimento dos factos e as verdades históricas. Até quando?
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