e se um dia a gazprom comprasse portugal?

Por Pedro Tadeu
http://www.dn.pt

Então chegámos ao ponto em que uma empresa se propõe comprar um país da União Europeia. Não se trata de comprar uma ilha das Caraíbas pintalgada por palhotas folclóricas. Trata-se da aquisição, a preço de saldo, de um pequeno Estado, é certo, mas que é membro da, ó mito, poderosa Zona Euro... É revolucionário!

A russa Gazprom (onde, discretos, florescem seis por cento de capitais alemães) aceita ficar com a dívida de Chipre se, em troca, lhe concederem o direito de explorar livremente o gás natural da região. O negócio pode fazer-se por dez mil milhões de euros, o que, admite-se, para as contas da 15.ª maior companhia do mundo será pouco mais do que uma bagatela.

A intenção surge na sequência da decisão dos ministros das Finanças do euro de cobrar uma taxa sobre o dinheiro que está depositado nos bancos de Chipre. Segundo li em vários jornais económicos, nada suspeitos de simpatias coletivistas ou de tendências esquerdistas, "este ato de terrorismo de Estado" (sic) é já candidato a medida política mais estúpida do século.

Esta gente é mesmo capaz de nos roubar! Esta gente vende-nos, a nós, povos, como vende qualquer mercadoria. Com esta gente nada podemos dar como certo, nem sequer a segurança do dinheiro que depositamos nos bancos - um dos pilares da arquitetura da economia capitalista.

Cito: "Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral." Este é o artigo 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Para esta gente, que governa o euro, este texto não existe ou, então, o seu conceito de "interesse geral" é coisa muito, muito particular...

Esta medida desumana sobre o povo de Chipre - votada favoravelmente, sem surpresa, sem vergonha, pelo ministro português Vítor Gaspar - tem um mérito: revela, em toda a sua crueza, do que esta gente é capaz; faz-nos cair, brutalmente, na pura realidade; dá-nos consciência da montanha que temos de derrubar se um dia quisermos viver numa sociedade com uma governação decente; lembra--nos que corremos mesmo o risco de deixarmos de viver numa democracia, para passarmos a ser geridos, 24 horas por dia, como nos piores romances futuristas, por uma gigantesca companhia.

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