a rainha da sucata
Por Tiago Mesquita
Nesta espécie de corte de sucata em que se transformou o governo, Paulo Portas continua igual a si mesmo. Por entre os pingos da chuva, munido das expressões "sentido de Estado" e "solidariedade institucional", vai, com ar pesaroso e preocupado, tocando, ocasional e estrategicamente, o fadinho que o parolo e o incauto gostam de ouvir. Os mais esclarecidos e atentos sorriem: "Lá está outra vez o Paulinho a fugir com o rabo à seringa, como se não fosse nada com ele".
Para salvaguardar o futuro político, o brilho inexistente no seio do executivo aparece convenientemente, volta e meia, estampado no sorriso de Portas, como uma luz ao fundo do túnel. Um visionário. A verdadeira e única consciência social do governo. Adora o protagonismo, as luzes e a própria voz. Gere as ambiguidades e o suspense.
Afasta-se das medidas antissociais, encenando teatrinhos patéticos na suposta defesa dos fracos e oprimidos. A drama queen das conferências de imprensa. Portas não está mais preocupado com os reformados e pensionistas do que os outros. Paulo não está mais preocupado com os jovens do que os outros. Não está mais preocupado com o futuro do país do que os outros. Está, sim, muitíssimo mais preocupado com a sua imagem do que com os outros. Sempre esteve. E, se isso implica afastar-se pontualmente de quem lhe permitiu subir ao trono, assim o fará. Outro infante que venha a precisar, vindo de que condado jotinha vier, fará de Portas novamente rainha da sucata. E este, se for chamado à corte, aceitará, com a "atitude patriótica" que adora ostentar, a única forma de exercer poder que conhece: a partilhada.
Passos assumiu o risco. Qualquer um sabe que coliderar com Portas é como ir a um baile da aldeia acompanhado de alguém coberto de purpurinas da cabeça aos pés e tentar passar despercebido. Quando dá para o torto, Portas afasta-se, estratégica e deliberadamente, de tomadas de decisão polémicas e medidas nefastas que poderão manchar a sua folha de serviços. Como um submarino, Portas imerge quando lhe convém. A responsabilidade pela austeridade exercida pelo governo é tanto de Passos e Gaspar como de Portas, mas quem ouve este último a discursar pensa que Deus e o Diabo convivem bem num T0 ali na Ajuda, tal é a disparidade entre a dura realidade e os desejos convenientemente manifestados pelo líder do CDS.
Paulo Portas bem pode tentar demarcar-se de uma das piores, mais lesivas e mais antissociais governações de que a história da democracia portuguesa tem memória, com danos irreparáveis para o Estado Social como o conhecemos. Mas o certo é que a história nunca fará dele aquilo que ele não é, por mais purpurinas que use.
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