o estado dos ratos
Por Luís Rainha
Os ratos são os primeiros a abandonar o navio que afunda. Toda a gente imagina saber isto. Mas que pode fazer uma pobre ratazana, veterana de anos de luta pela prosperidade, quando se vê impelida a saltar borda fora de um barco condenado... mas a mil milhas da costa? Não adianta atirar--se às ondas; no meio da aflição, ninguém se lembrará de socorrer um mero roedor. Aguardar a chegada a bom porto parece-lhe apenas uma modalidade diferida de suicídio – a discórdia cada vez mais ululada da tripulação, as correrias em círculo do capitão e do imediato... tudo naquela nave de loucos grita ruína certa.
O nosso rato teve uma longa carreira dedicada à gulodice. Devorou tudo o que lhe apareceu ante o focinho: proteínas, adversários, influência, segredos alheios, poder suculento. A condição de embarcadiço nestes navios comandados por principiantes é condição de acesso a cargas apetecíveis. Sem porões mal guardados ao alcance do seu fino faro, seria apenas mais um roedor tinhoso. Sem poder distribuir camarotes pela rataria menor, lá se iria o seu prestígio.
Solução milagreira? Manter duas patas dentro do barco de má reputação e outras duas de fora, acenando a potenciais salvadores. Com estas, agita freneticamente bandeiras a sinalizar boas intenções, vontade de ajudar os fracos, desistências de vícios antigos. Entretanto, vai usando as patas restantes para acenar ao capitão obedientes continências, garantindo-lhe que só faz ondas para entreter os mirones. E que nunca o abandonará, claro.
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