é tão chique brincar aos pobrezinhos!
Há uns anos, nem tantos quanto isso, o jet set - ou a fina flor do entulho, no dizer de alguns desbocados que o que devem ter é inveja e dor de corno - ia para o Algarve. As damas e cavalheiros, vestidos ou despidos de acordo com o local, a hora do dia e a sua condição social, exibiam-se pelas praias da moda, pelos restaurantes caros, pelas discotecas exclusivas, posavam para as revistas de mexericos em festas temáticas, em campeonatos de golfe, em cocktails e vernissages, ostentando um croquete numa mão e um uísque na outra, do marado mas em copo de cristal. A feira das vaidades montava-se essencialmente entre a Quinta do Lago e Vale de Lobo. No entanto, o Algarve já era. O Algarve, agora, é para os novos-ricos e os novos-pobres, os papalvos, a arraia-miúda lusitana e a turistagem chula de pé descalço, tudo maralha da pior, a escória de Portugal e da Europa e um ou outro Duarte Lima de apelido angolano, ou chinês, ou colombiano, ou russo com mansão na Quinta do Lago e fortuna em bom recato num qualquer offshore de uma qualquer ilha paradisíaca. Agora o que está a dar é ir para a Comporta, ali entre a construção desvairada de Tróia e as indústrias moribundas e poluidoras de Sines. É lá que é chic a valer. Diz o Expresso desta semana que é lá que o crème de la crème se vai pavonear. Como, noutros tempos, o Dâmaso de Salcedes se ia saracotear para o Chiado e o Passeio Público: para ver e ser visto. O Eça é que os topava à légua. Os tempos passam, o mundo move-se, o Homem foi à Lua, inventou o computador, o telemóvel, a televisão por cabo, a internet. Mas essa gente ficou parada no tempo, com os seus tiques, as suas manias, os seus ritos de acasalamento e rituais de enriquecimento, nem sempre lícito, muito menos moral. Na Comporta não entra quem quer, mesmo tendo dinheiro. É preciso ter nome. Daqueles sonantes, de encher o ouvido e arregalar o olho. Todos os verões, lá estão eles caídos. Num grupo elitista, fechado, orgulhoso das suas posses e pergaminhos. Ao Expresso, disse Cristina Espírito Santo, uma das veraneantes, que viver ali, na Comporta, "é como brincar aos pobrezinhos". Disse-o sem pudor. E nesta simples frase transparece toda a raça desta gente, o pensamento, a atitude perante a vida e os seus "semelhantes". Gente para quem as criadas ainda são bonnes, os motoristas são chauffeurs, os operários são a canalha. Gente que despreza quem os serve e os ajudou a enriquecer. Gente que gasta, numa hora, o que a esmagadora maioria dos portugueses não ganha num mês. Não houve 25 de Abril que os obrigasse a mudar de rumo, nem sobressalto que os levasse a arrepiar caminho. Eles aí estão de pedra e cal. Os amos. Os donos de Portugal. A brincar aos pobrezinhos. Com os pobrezinhos. A quem, esmoleres e cristãos, dão esmolas. Com um esgar de asco nas faces bronzeadas pelo Sol da Comporta.
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NUNCA MAIS COMPRO O EXPRESSO!
Os pobrezinhos
Os Pobrezinhos
tão engraçados pedem esmolinha com mil cuidados
Todos sujinhos e tão magrinhos a linda graça dos pobrezinhos
De porta em porta sempre rotinhos tão delicados os pobrezinhos
Não façam mal aos pobrezinhos
Dêem-lhes pão e uns tostõezinhos
Os pobrezinhos tão engraçados pedem esmolinha com mil cuidados
Armindo Mendes de Carvalho