os tecnofórmicos
Por Rui Cardoso Martins
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Abuso, aldrabice, ardil, chico-espertice, crime, descaramento, desonestidade, esquema, engodo, esquecimento, falsidade, fraude, garganeirice, intrujice, mentira, moscambilha, ocultação, pantominice, trapaça. Tanta palavra que já não faz falta, segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa do Professor Marcelo. Basta “desleixo”. Exemplo: um assaltante mascarado de primeiro-ministro desleixou ontem os cofres de uma agência bancária de Massamá.
As Relvices Pagam-se Caro, Coelhinho? é uma obra de referência para a infância e a juventude social-democrata, de autor anónimo, que só está à espera de editora e do prefácio do chefe parlamentar do PSD, Luís Montenegro, o homem mais probo do pior ramo da maçonaria portuguesa. Sobre o livro, o insigne especialista-geral Marcelo Rebelo de Sousa já preparou a apresentação pública, com um toque do Padre António Vieira e do famoso “ou o sal não salga, ou a terra não se deixa salgar”. Diz Marcelo sobre a acusação de pagamentos da Tecnoforma a Passos Coelho: “Das duas, uma. Ou isto aconteceu, ou não aconteceu. Ou não aconteceu e não há problema. Ou aconteceu e também não há problema, entendido?”
A História de Portugal enriquece-se com mais um episódio em que, como diz Montenegro, um primeiro-ministro demonstrou “múltiplas provas de seriedade” contra “acusações e insinuações contra ele”, como foi o caso do aumento dos impostos, que nunca aconteceu quando ganhou as eleições. Ou da Tecnoforma, a empresa de formação de fantasmas em aeródromos vazios, com a qual nunca foram enganados eleitores e contribuintes europeus.
Se tudo tem um preço, talvez a vergonha alheia que aí anda nas ruas possa custar apenas 150 mil euros (não declarados às finanças). É barato, uma pessoa até se esquece. Eu nem sei o que comi ontem com o Miguel Relvas, como é que me vou agora lembrar que foi lagosta de Angola e berbigão à Manta Rota?
Ao que tudo indica, um ácido corroeu as memórias dos nossos governantes. Segundo vários especialistas a quem damos a oportunidade de inventar uma boa teoria política, há fortes possibilidades de se tratar de ácido fórmico, o mais simples dos ácidos orgânicos. Encontra-se por todo o lado na natureza, basta lembrar que, a primeira vez que foi isolado, ocorreu por destilação do corpo de uma formiga. É portanto de colocar a hipótese, em bom português passo-coelhês, de que haja a possibilidade de, eventualmente, numa hipótese que neste momento não podemos avaliar, porque passaram muitos anos, de que alguma coisa possa ter escapado inadvertidamente ao conhecimento dos envolvidos, isto é, que Miguel Relvas se tenha contaminado nas meninges com grandes quantidades de ácido fórmico largado pelas terríveis formigas vermelhas da selva amazónica, tidas por alguns cientistas como as verdadeiras culpadas das chuvas ácidas nas florestas europeias, pelo fenómeno da evaporação do Amazonas, quando o ex-ministro Relvas ia ao Brasil tratar dos seus negócios com viagens-fantasmas pagas pelo Parlamento, ou para financiar o mensalão brasileiro.
É portanto de crer que o contacto permanente entre Passos Coelho e Relvas — agora no Conselho Nacional do Partido — tenha induzido o primeiro-ministro a deixar acidificar-se-lhe o cérebro composto de vigorosa fibra moral, para agora se esquecer das fortunas que recebeu não se sabe a fazer o quê, mas coisa boa não parece que tenha sido. É uma teoria consistente como o nosso crescimento económico.
A Procuradoria-Geral da República que investigue, porque é para isso que o Estado paga aos tipos e as nossas cabeças parecem as de duas formigas tontas e não se lembram bem. O ácido fórmico também se chama metanóico, mas devia chamar-se ainda paranóico. Deixem-me trabalhar!, como diz o outro. Por falar nisso, o Presidente não se esqueceu também da casa do Algarve e das acções do BPN/SLN? O tempo apaga tudo. E uma mão unta a outra.
Entretanto, já está pronto o rascunho de uma suposta carta de reintegração/resignação que talvezpossa deitar luz sobre este relvado às escuras. Os mais atentos repararão que, desta vez, não se fala em exclusividade porque, pelos vistos, como explicou Marcelo, isto era o que eles faziam todos nos anos 90. Desleixavam-se, pronto. Mas de repente as pessoas ficaram tão aborrecidas, isto não lembrava ao careca.
Exmo. Senhor Presidente da República:
Tendo eu, um vosso admirador, requerido a V. Exa. a atribuição do subsídio de dissimulação, ao abrigo do artigo remuneratório e ilusório dos governantes, venho agora, por solicitação de uns chatos do PÚBLICO (uns tais de Cerejo e Pena) e do EXPRESSO, que não me largam, informar que desempenhei as funções de primeiro-ministro, durante o XIX Constitucional, em regime de manifesta falsidade.
Subscrevo-me, com os cumprimentos mais cordiais,
Pedro Miguel Relvas de Passos Coelho
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