e agora, josé?
Na revista Sábado:
As últimas semanas foram dolorosas para José Sócrates. Não por causa da crise da dívida, nem pela subida imparável dos juros, mas especialmente porque foi durante esse período que o primeiro-ministro viu cair alguns dos regimes que tanto acarinhava. Primeiro foi o trágico afastamento da ditadura de Bem Ali na Tunísia – que Sócrates admirava “muito fortemente” no que diz respeito aos esforços de abertura e com a qual mantinha uma relação política de grande “consideração”, apesar dos sucessivos casos de corrupção e abusos. Agora é a vez da revolta contra Kadhafi na Líbia – um governo que está há 41 anos no poder, evidentemente sem eleições. Mas a quem Sócrates manifestou uma “grande amizade” e um “profundo” agradecimento.
As relações entre os Governos de Portugal e da Grande República Socialista Popular Árabe da Líbia poderiam ter-se limitado às habituais relações económicas e políticas que existem com outros países do mundo – ditatoriais ou democráticos. Mas não. Desde que está à frente do Executivo, José Sócrates quis dedicar-lhes uma atenção especial. Ao longo de cinco anos, visitou o país quatro vezes, recebeu Kadhafi em Portugal uma vez e até fez questão de estar presente nas comemorações do 41º aniversário do golpe que colocou o Líder Fraternal e Guia da Revolução Muammar Kadhafi no poder. Aí o primeiro-ministro de Portugal sentou-se orgulhosamente ao lado do ditador para aplaudir, no lugar de honra, os desfiles militares, os discursos de apoio ao regime e o fogo-de-artifício – com tanto empenho que ficou na festa até às 2 da manhã.Infelizmente, é mesmo contra o Líder Fraternal, os desfiles militares e as longas festas de apoio a um regime corrupto, sanguinário e absolutista que, agora, o povo se revolta nas ruas da Líbia, com algum sacrifício – apesar da proibição do Governo de entrada a jornalistas, sabe-se que Kadhafi mandou aviões das forças armadas bombardearem vilas e aldeias do País só para dissuadir os manifestantes. Estranhamente, ainda não se ouviu nenhuma palavra de José Sócrates a demonstrar a sua solidariedade com a longa família Kadhafi – não só o ditador, mas também os oito filhos que o ajudavam a governar o país da forma que o primeiro-ministro tanto elogiou; nem se viu um único sinal da “”amizade” que ao longo dos últimos anos uniu os dois povos – e que infelizmente levou o Governo de Portugal a ignorar a brutalidade, os abusos e o nepotismo na Líbia. Afinal as “grandes amizades” já não são para manter.
Editorial da revista Sábado, nº 356, 02-03-2011
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