salto à vara
O último artigo de Ricardo Araújo Pereira na Visão. Continuamos a ser um país que se agacha perante políticos, mesmo desacreditados, como é o caso. Leia-se com um sorriso nos lábios. E o sangue a ferver.
O Centro de Saúde de Armando Vara
De acordo com os jornais, Armando Vara passou à frente de dez doentes que esperavam por uma consulta no Centro de Saúde de Alvalade. É uma notícia que não pode deixar de nos envergonhar enquanto país. Como é possível que um homem que foi ministro só consiga passar à frente de dez pessoas? É certo que a fila não tinha mais gente, mas, se houvesse decência em Portugal, os serviços do Centro de Saúde teriam ido à rua contratar transeuntes para engrossarem a fila, de modo a que Armando Vara pudesse ter a sensação de estar a usufruir de um privilégio mais ajustado à importância de um antigo governante.
Apesar de tudo, o que já não é mau, foi um privilégio - e foi um privilégio duplo. Armando Vara foi privilegiado pelo centro de saúde, que lhe passou a declaração de que ele precisava antes de atender os doentes que tinham chegado primeiro, e pelos próprios doentes, que o deixaram passar. Se eu tentar passar à frente de dez utentes num centro de saúde, a única fila em que consigo galgar uns lugares é a das urgências. Já Armando Vara, consegue ultrapassá-los sem dificuldade. Talvez tenham sido tomados pela perplexidade de ver, com pressa de ir ao médico, um homem cuja dieta, toda à base de robalos, não faria prever a existência de problemas graves de saúde.
O caso deve fazer pensar a administração dos centros de saúde e de todos os serviços de atendimento em geral. É urgente que os sistemas de senhas evoluam para acompanhar os tempos modernos. Uma senha que contenha apenas um número não fornece informação suficiente. No talho, um cliente deve saber que é o número 127 se Armando Vara não precisar de bifanas, caso em que passa a ser o 128. Nos correios, é o 34 ou o 35, consoante Armando Vara tenha ou não encomendas postais urgentes para enviar. Todas as senhas que não façam referência à eventualidade de Armando Vara precisar de nos passar à frente devem ser consideradas obsoletas. Na loja do cidadão, os funcionários devem chamar os utentes de acordo com o novo modelo, a saber: "Número 21 ao balcão 3, a menos que Armando Vara precise de renovar o passaporte." O cidadão sensato, quando ouve chamar o seu número, deixará de se precipitar para o balcão. Aguarda uns segundos e olha à volta, para perceber se Armando Vara se encontra nas mesmas instalações. Todos os centros de atendimento de Portugal são centros de atendimento a Armando Vara - e, se além disso houver disponibilidade, do resto dos cidadãos.
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