os reis escandalosos: afonso VI, o impotente


Vou passar a transcrever os textos da revista Sábado dedicados aos nossos reis de comportamento menos ortodoxo (ou de sexualidade menos feliz, como quiserem). Comecemos por D. Afonso VI.



Por Pedro Jorge Castro



Reinado: 1656-1683


Entre 9 de Janeiro e 23 de Fevereiro de 1668, nas tardes de segundas, quartas e sábados, 55 testemunhas foram chamadas ao paço do arcebispo de Lisboa para depor, em audiências públicas, sobre a incapacidade sexual do Rei D. Afonso VI. Em causa estava o pedido de anulação do casamento feito pela rainha, a francesa D. Maria Francisca de Sabóia, que, apenas dois dias depois de ter conhecido o noivo, desabafou com o jesuíta Francisco de Vila: “Meu padre, parece-me que não terá Portugal sucessores deste Rei.”


Nos meses seguintes, na confissão, continuou a queixar-se ao sacerdote de que o Rei era “inábil e impotente”. Acabou por se refugiar no Convento da Esperança, pediu a nulidade da cerimónia e designou o duque de Cadaval para ser seu procurador no processo, deixando-lhe esta carta: “Apartei-me da companhia de Sua Majestade, que Deus guarde, por não haver tido efeito o matrimónio em que nos concertámos (...).”


O caso foi julgado por três autoridades eclesiásticas e um júri com quatro desembargadores e quatro cónegos. Entre as primeiras testemunhas, sobressaíram 14 mulheres com quem Afonso VI tinha tentado envolver-se. Com a mão direita em cima dos evangelhos, prometeram dizer a verdade e não pouparam nos pormenores, segundo um manuscrito da Torre do Tombo publicado em 1925 por António Baião, intitulado Causa de nulidade de matrimónio entre a rainha D. Maria Francisca Isabel de Saboya e o Rei D. Afonso VI.

Estas 14 “parceiras” tinham entre 15 e 30 anos (embora na identificação surgisse sempre, a seguir à idade, a referência “pouco mais ou menos”) e quase todas foram abordadas por criados do Rei que as levaram ao paço, mais do que uma vez, para se deitarem “na cama com Sua Majestade”, segundo a expressão usada, por exemplo, por Jacinta Monteiro, que esteve três dias despida para nada: “Ora se lhe abaixava o membro viril ora derramava semente extravas, sem que nunca nas três noites e três dias o pudesse fazer intravas”, descreveu Jacinta, que na altura “estava donzela” (depois de perderem a virgindade passavam a designar-se “mulheres corruptas”). Jacinta contou que viria a ser “desflorada” por um amigo duas semanas mais tarde, o que a levou a concluir que o Rei “não prestava nem tinha actividade para penetrar mulheres donzelas”.

Com Joana Tomázia sucedeu o mesmo. O Monarca justificou-se, alegou que estava muito “gastado de mulheres”, mas a testemunha achou o “membro viril” muito diferente do de outro homem que conhecera, “porquanto o de Sua Majestade, quando derramou semente, ficou como o de uma criança, e muito desigual quando estava erecto, por ser muito mais delgado na raiz do que na extremidade”. 

Catarina Henriques esteve 12 vezes com o soberano ao longo de três anos e, apesar de ter recebido 12 mil réis por mês da casa real, também denunciou a incapacidade de D. Afonso VI “e reparou ainda nos grãos, pela desigualdade que havia entre ambos, por ser um maior e outro muito mais pequeno”. Já Teresa de Jesus partilhou a sua surpresa com a abundância e a cor amarela da semente que lhe encharcou as meias e os sapatos com que estava debaixo dos lençóis. E Jerónima Pereira espantou-se com o cheiro da semente, que era diferente do da semente do marido.
Nas mesmas audiências públicas, Lourença Maria revelou que o Rei tinha sido despido pelo conde de Castelo Melhor. Joana de Saldanha contou que o Chefe de Estado respirava com cansaço e lhe dizia “já não posso, já não posso” e outras vezes “já sou velho, já sou velho”(tinha 24 anos). A Joana de Almeida, o Monarca pediu desculpa pela “fraqueza e pouca actividade”. E disse: “É grande trabalho ser um homem aleijado!”

Os médicos do Rei atribuíram esta sua “frouxidão” a um acidente que sofreu aos 3 anos e que quase lhe paralisou o lado direito do corpo. O problema persistiu apesar de vários remédios e tratamentos. Mas Ângela Barreto Xavier e Pedro Cardim, autores da biografia D. Afonso VI, sustentam que “muitas das testemunhas terão sido instruídas para apresentarem determinadas versões ou omitirem certos detalhes”. Um fidalgo que viu o Rei nu uma vez descreveu que este tinha o membro como se saísse de se banhar em água fria. E um moço do guarda-roupa confidenciou que o Chefe de Estado pediu aos criados que lhe fizessem uma vistoria para verem se tinha potência.

Percebe-se porque é que Rui Ramos, coordenador da mais recente História de Portugal, considera que este é “o maior escândalo de sempre”. Não apareceu ninguém nas audiências para defender D. Afonso, que foi deposto por decisão do Conselho de Estado e viveu o resto dos seus 14 anos de vida aprisionado. D. Maria Francisca de Sabóia conseguiu anular o matrimónio e logo a seguir casou com o cunhado, D. Pedro II, que foi coroado Rei depois de ter estado ligado a todos os conluios que levaram ao afastamento do irmão. Nove meses mais tarde, em Janeiro de 1669, nascia finalmente uma princesa, a Infanta Isabel.

Comentários

Shaka disse…
Alguns pontos a frisar:
*Processo automaticamente viciado juridicamente
* Grande parte das testemunhas que depuseram contra o rei (sobretudo as prostitutas) mantinham relações ilicitas com os homens que apoiaram D. PEdro, entre os quais o Marquês de Marialva. Percebe-se, então, que os seus depoimentos além de coincidirem todos na descrição do orgão sexual do rei, visavam automaticamente destrui-lo;
*Sob o ponto de vista canónico houve grandes "falhas técnicas", sobretudo pq a rainha não foi vistorada pelos juizes eclesiasticos, quando num processo deste calibre, os conjugues têm de permanecer juntos durante tres anos (o que não aconteceu), e ao final desse tempo, deve ser feita uma inspecção fisica de modo averiguar-se se houve ou não consumação do matrimónio. Porque será que a rainha não foi vista???? Dá que pensar...

:)

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