monólogo de um terrorista


Contra tudo e contra todos, pouco mudei a proposta de orçamento: o assalto é generalizado, o fruto do saque será entregue ao Estado por decreto-lei assinado por mim e pelo Pedro, aprovado pelo presidente Silva e publicado em Diário da República. Não poupo ninguém. Nem velhos, nem doentes, nem desempregados, nem os pobres, todos párias, todos a querer viver à conta do Estado. Mas não fiquei por aqui: ordenei mais cortes na cultura, na educação, na saúde. 

E que ninguém, mas absolutamente ninguém, pense que pode mudar este orçamento, os direitos e deveres dos deputados da Assembleia são, mais do que uma chatice, uma inutilidade, o documento entregue chama-se "Proposta" mas isso é uma formalidade, uma palavra sem valor como sem valor é a palavra do Pedro. Todas as medidas foram aprovadas pela troika, que se substituiu aos deputados, e nenhuma delas pode ser mexida sob pena de, aí sim, cairmos na bancarrota, no holocausto económico, na mais completa e definitiva das tragédias nacionais de que eu, como qualquer fantasma, escaparei ileso. Sou como aqueles cientistas que se safam sempre, mesmo quando as experiências correm mal, os laboratórios ardem, os tubos de ensaio lhes rebentam na cara. E este País, que eu desprezo mas disfarço bem, é um excelente laboratório para as minhas experiências de génio incompreendido.

Cavaco Silva? Não tive tempo para ler o que esse escreveu no facebook. Christine Lagarde? Toda a gente percebeu mal o que ela disse, toda menos eu, o mais arguto dos homens. O orçamento é equitativo? Mais não podia ser, rouba-se a quem trabalha para dar aos bancos e aos grandes grupos económicos, é a verdadeira distribuição de riqueza, o dinheiro a quem o tem e multiplica. 

Parem de me fazer sempre as mesmas perguntas ou ver-me-ei obrigado a subir de tom. O país está a fazer francos progressos, a economia não podia estar melhor, falências, desemprego, suicídios, miséria, isso são danos colaterais, o que importa é o País e o País são os bancos, os grandes grupos económicos, eu e o Pedro, que me dá carta branca para governar Portugal. É o meu agradecimento por tantas décadas em que, tão generosamente, Portugal pagou os meus estudos. Mas eu sou eu. Gaspar. De fanático e de louco, tenho eu um pouco. E de terrorista também.

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