o preço da guerra


Por Hugh Gusterson

Como afirmam Dana Priest e William Arkin no seu belo livro novo, Top Secret America, os americanos “gastaram milhares de milhões de dólares para fazer com que a máquina do governo derrote o terrorismo sem nunca realmente questionar o que estão a receber em troca”. O décimo aniversário do 9/11 é um momento de reflexão, sim, mas é também uma oportunidade para começar a fazer perguntas difíceis.

Resolver problemas pela via das armas acaba por criar novos problemas de todo o tipo. O 10º aniversário da tragédia do 11 de Setembro oferece uma oportunidade para reflectir sobre os custos e benefícios das guerras que os EUA iniciaram contra o Iraque e o Afeganistão depois dos ataques terroristas. Um novo e abrangente estudo, intitulado “Costs of War”, patrocinado pela Brown University (a que estou ligado) sugere que os custos foram totalmente desproporcionados em relação aos benefícios. Este estudo deveria ser leitura recomendada para comentadores e dirigentes políticos de todo o país. Não obstante as sugestivas palavras dos autores dos discursos presidenciais sobre a coragem dos soldados norte-americanos e do êxito da “resposta”[1], é difícil encontrar qualquer escala pela qual se possam avaliar as guerras no Iraque e no Afeganistão como sucessos. Em dólares, como em sofrimento humano, o preço da guerra foi pavoroso (como o site Costs of War torna claro, com um misto de gráficos elucidativos e pesquisa bem fundamentada).

O prejuízo mais evidente é o financeiro. De todas as guerras em que o país se envolveu, apenas a II Guerra Mundial custou mais ao país do que as guerras no Iraque e no Afeganistão. Apesar de neoconservadores conceituados, desde Paul Wolfowitz a Ken Pollack, terem previsto que a guerra no Iraque em grande parte se pagaria a si própria, o economista prémio Nobel Joseph Stiglitz e a sua colaboradora Linda Bilmes estimam que, em fundos já desembolsados ou garantidos, as guerras no Iraque e no Afeganistão custaram até agora ao contribuinte norte-americano uns alarmantes 3,2 triliões de dólares, pelo menos.
Dada a preocupação com o deficit em Washington, vale a pena notar que estes 3,2 triliões de dólares incluem 200 mil milhões em pagamento de juros sobre estas guerras desde 2001. Isto acontece porque a Administração Bush decidiu financiar estas guerras através de empréstimos e não pela via dos impostos cobrados àqueles em nome de quem estas guerras foram travadas. Se as previsões do Departamento do Orçamento do Congresso se confirmarem, os EUA terão gasto mais 800 mil milhões de dólares em juros de guerra por volta de 2020.

Esta hemorragia financeira tem efeitos colaterais na economia norte-americana. O Governo pede tanto dinheiro emprestado que torna mais difícil os consumidores contraírem empréstimos, aumentando o pagamento dos empréstimos hipotecários em média 600 dólares por ano, por exemplo. As guerras também aumentaram grandemente o preço do petróleo, ampliando assim a recessão, e desviaram mais de 3 mil milhões que poderiam ter sido investidos na renovação de infra-estruturas nos EUA. Ou em postos de trabalho: um milhão de dólares gastos com o exército cria 8,3 postos de trabalho, ao passo que um milhão de dólares gastos em educação gera 15,5 postos de trabalho, e um milhão gasto na saúde cria 14,3 postos de trabalho. Se estimarmos que o Pentágono gastou 130 mil milhões por ano directamente nestas guerras, esse valor, se gasto internamente, teria criado 900 milhões de postos de trabalho nos EUA na educação, ou 780 milhões na saúde.

E depois temos os mortos, os feridos e os deslocados. De modo a evitar acusações de sensacionalismo, o projecto Costs of War usa deliberadamente números conservadores, em que as estimativas diferem, mas mesmo os números conservadores são horríveis. Enquanto que alguns estudos colocam o número de iraquianos mortos acima de um milhão, o projecto Costs of War fornece o número mais baixo de 225 000 afegãos e iraquianos que se sabe terem perdido as suas vidas; 137 000 de entre esses eram civis. Quase oito milhões de iraquianos e afegãos (um número tão grande quanto a soma das populações de Connecticut e Kentucky) se pensa terem sido deslocados. Em cerca de 6 000, o número de soldados americanos mortos é muito menor, mas ainda é mais do dobro do que perdemos nos ataques terroristas que tanto traumatizaram o país há uma década atrás. E cada soldado morto deixa uma marca no coração de alguém.

Se os jornais periodicamente nos lembram desses soldados americanos mortos, mostrando-nos os seus rostos [2], os feridos são menos visíveis, mas o custo de cuidar deles apenas irá aumentar. Cerca de 100 000 soldados americanos sofreram oficialmente ferimentos no Iraque e no Afeganistão, mas muitos destes ferimentos, como o stress pós-traumático, podem manifestar-se apenas após o regresso. Mais de 522 000 veteranos das nossas guerras no Médio Oriente já apresentaram pedidos de atestados de incapacidade. Com base na experiência anterior na Segunda Guerra Mundial, na Guerra da Coreia e na Guerra do Vietname, sabemos que os custos dos cuidados de saúde com estes veteranos não atingem o máximo antes de passarem 30 ou 40 anos do fim da guerra. Por outras palavras, poderíamos fazer regressar até ao último soldado do Iraque e do Afeganistão amanhã, mas os custos do seu tratamento continuarão a subir até pelo menos 2040. Estima-se que estes custos atinjam um total entre 600 mil milhões de dólares e 1 trilião.

É claro que alguns desses veteranos irão pagar os custos da guerra de outro modo: a taxa de suicídio no exército é o dobro da taxa de suicídio na sociedade civil, e os veteranos de guerra tem 75% mais de probabilidade que os civis de morrer em acidentes de automóvel. Uma pesquisa em curso do Governo dos EUA constatou que mais de um quarto dos veteranos da guerra do Iraque abusam do consumo de álcool, e a taxa de abuso de medicamentos prescritos por veteranos de guerra é agora seis vezes maior do que era em 2002.
Entretanto, dois milhões de crianças norte-americanas têm vivido nos últimos anos com o sofrimento de ter um dos pais no Iraque ou no Afeganistão. Alguns viram os pais regressar da guerra com membros amputados, lesões cerebrais, e stress pós-traumático. Estas crianças, provenientes, em número desproporcional, de minorias comunitárias, estão mais propensas do que os seus congéneres civis a ter problemas na escola, a sofrer de depressão e a exibir distúrbios comportamentais. Elas representam um outro tipo de juros sobre o nosso investimento na guerra; e que iremos pagar por muito tempo. À medida que cortamos nos serviços sociais como parte da redução no orçamento federal, muitas destas crianças, e as suas famílias, lutarão sozinhas com os seus problemas; uma exteriorização intolerável dos custos da guerra para uma sociedade que afirma estar comprometida com os valores da família.

Quando ouvimos os nossos líderes falar em “operações militares” e “ataques cirúrgicos”, é tentador pensar no poderio militar como uma ferramenta poderosa e precisa para alcançar objectivos, como o afastamento de Saddam Hussein, ou a derrota dos Taliban. Aprendemos com o Iraque e com o Afeganistão (tendo aparentemente esquecido a lição anterior que nos deram os vietnamitas) que os ferramentas de guerra tem um preço alto a pagar, acabam por matar muitas pessoas inocentes, bem como seus alvos, e que os tiros de resposta deixam um rasto de seres humanos devastados e fragilizados, que enfrentam as consequências da guerra durante décadas após os últimos soldados terem deposto as armas.

Como afirmam Dana Priest e William Arkin no seu belo livro novo, Top Secret America, os americanos “gastaram milhares de milhões de dólares para fazer com que a máquina do governo derrote o terrorismo sem nunca realmente questionar o que estão a receber em troca”. O décimo aniversário do 9 / 11 é um momento de reflexão, sim, mas é também uma oportunidade para começar a fazer perguntas difíceis.

Notas da tradução: 
[1] No original, surge. É difícil encontrar uma correspondência exacta em português; o autor refere-se a um movimento de resposta, por parte de vários sectores da sociedade norte-americana, aos ataques do 11 de Setembro. O que quer que se pense desta resposta, ela sentiu-se, a título de exemplo, num aumento do número de recrutamentos no Exército, mas também se usa o termo noutros contextos, nomeadamente para referir o aumento de oportunidades de negócio para as firmas de segurança.
[2] No original, “Faces of the Fallen”; o autor refere-se a rubricas como a do jornal Washington Post, que tem este nome, e que publica os nomes e retratos dos soldados dos EUA mortos em combate.

Tradução de André Rodrigues P. Silva

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