a europa em derrocada
Zona de Desastre
Por Viriato Soromenho-Marques
Dois relatórios recentes, de duas instituições conhecidas pela sua independência e dedicação às causas mais nobres e humanitárias, a saber, a OXFAM e a Cruz Vermelha, traçam uma imagem do horror social a que nos tem conduzido a liderança política da crise europeia. Em Berlim, em Bruxelas, em Frankurt, mas também nos palácios dos regedores nomeados para Lisboa ou Atenas, estes relatórios serão deitados para o lixo, sem serem lidos, com um esgar de indiferença. Os ideólogos são assim. Não deixam que a realidade os surpreenda. A ideologia é confortável, pois crê que a nossa representação do mundo substitui o seu conhecimento. A ideologia conduziu ao Holocausto e à Guerra Total do nazismo, ao Gulag estalinista e maoísta. Agora, parece estar a conduzir à implosão da Europa às mãos dos fanáticos que acreditam na bondade de mercados financeiros autorregulados. Quando, depois de 2008, foi preciso injetar 4,5 biliões de euros dos contribuintes para salvar o sistema bancário europeu, levando os Estados a acumular dívida pública, esta gente trocou as causas pelos efeitos, ao responsabilizar os povos pela ganância de muitos banqueiros e governantes. A austeridade coloca centenas de milhões a pagar os desmandos de alguns milhares, ameaçando devastar a UE e sacudir o mundo. Os relatórios mostram que a Europa é o único continente onde a pobreza cresce, ameaçando um quarto da população num futuro próximo! A riqueza concentra-se cada vez mais nas mãos de poucos. Milhões de famílias, mesmo trabalhando, não conseguem sobreviver com salários miseráveis, ditados pela "flexibilidade do mercado laboral". A cidadania está sufocada pela difusão do poder efetivo em estruturas que fogem ao escrutínio democrático. A humilhação e a pobreza alimentam a revolta. O tempo escasseia para arrepiar caminho.
Austeridade faz fome e cria ricos ... cá e lá
Por Leonídio Paulo Ferreira
A Cruz Vermelha britânica vai distribuir comida em todo o país, ação que não fazia desde o fim da Segunda Guerra Mundial. É que o número de gente ameaçada pela fome continua a aumentar na sexta potência económica do planeta. Cinco milhões de pessoas vivem abaixo do limiar da pobreza, denunciam as organizações humanitárias que tentam amenizar o efeito dos cortes sociais do governo Cameron.
Marcada para novembro, a recolha e distribuição de comida envolverá milhares de voluntários e será feita em parceria com uma versão britânica do nosso Banco Alimentar. A esperança é que a generosidade compense o impacte das medidas de austeridade da coligação entre conservadores e liberais, só comparáveis às de Espanha e dos países sob resgate, como Portugal e Grécia.
No verão, a Sociedade Fabiana denunciava já que as desigualdades cresciam a um ritmo mais rápido do que na era Thatcher. Mas os alertas são até mais antigos: um estudo publicado no Independent em março afirmava que o fosso salarial tinha igualado os índices da década de 1930, muito antes de os trabalhistas derrotarem Churchill e começarem a construir o Estado social.
Os mais afetados dos britânicos são as famílias trabalhadoras com filhos a cargo. A quebra de rendimento andará nos 12 por cento. Mas não se pense que o choque da austeridade se repercute de forma equilibrada por todos os sectores da sociedade. Londres continua a ser uma excelente cidade para os magnatas viverem, russos e indianos incluídos. E a City vai de vento em popa, mesmo que a economia tarde a recuperar e no segundo trimestre o PIB tenha só crescido 0,7 por cento.
Prova de que no Reino Unido os sacrifícios não são para todos, soube-se há pouco que a riqueza total dos britânicos cresceu uns 500 mil milhões de dólares no ano passado. Segundo as estimativas do Crédit Suisse, o Reino Unido foi um dos países do G8 onde o valor do património (desde habitações a aplicações financeiras) mais aumentou. Aliás, são hoje 1,5 milhões os britânicos com uma fortuna acima do milhão de dólares americanos (740 mil euros).
Percebe-se a impopularidade de Cameron, assumido admirador de Thatcher. E a desilusão com os liberais de Clegg, que há trinta anos criticavam horrorizados os cortes sociais da dama de ferro.
Assustador é que a desigualdade no Reino Unido, fiel ainda a aristocratas e cabeças coroadas, continua inferior à de Portugal, sempre um dos piores da União Europeia, por contraponto a uma Suécia que, porém, também já não é o que era. E alguém se lembra que um estudo divulgado em junho afirmava que o número de portugueses milionários em dólares (sem contar o valor da casa) tinha crescido em 2012 para 10 750, mais 350 que no ano anterior, quando se chamou a troika?
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