o estado ladrão e os métodos dissimulados
Por Tomás Vasques
A encenação montada à volta dos cortes sobre as pensões de sobrevivência constitui mais um dos muitos exemplos que definem o carácter deste governo. Começou pela ocultação do assunto, pelo vice-primeiro-ministro e pela ministra das Finanças, na conferência de imprensa sobre as avaliações da troika. Esta destinava-se apenas, na lógica de uma total falta de frontalidade e transparência, a revelar o contentamento dos nossos credores pelo "cumprimento do programa de ajustamento", sem denunciar que essa "apreciação positiva" correspondia a lançar mais sofrimento e mais miséria sobre a maioria dos portugueses e mais incerteza sobre o futuro do país. Dias depois, deliberadamente, o governo colocou na praça pública, através da comunicação social, essa pretensão envolta em contornos indefinidos, dando a ideia que ainda não tinha preparado bem o alcance da medida proposta. Ainda estavam a estudar a "condição de recurso", para usar a língua-de-pau atrás da qual escondem os seus propósitos, o que significa que estavam a testar as reacções a mais este saque de modo a "calibrar" a medida. O carácter deste governo não se avalia só pelos alvos que escolhe, mas também pelos métodos dissimulados que utiliza.
Estes cortes nas pensões de sobrevivência deixa muito claro que, apesar de peripécias várias, como a inenarrável crise política de Julho passado, e muita incompetência e mentira à mistura, o rumo deste governo para a "resolução da crise" permanece inalterável desde o primeiro momento: 1) redução substancial dos custos do trabalho, empobrecendo e lançando na miséria muitos milhares de portugueses, enquanto provocam o crescimento do desemprego, de modo a facilitar a criação de um "mercado de trabalho" com mão-de-obra barata; 2) destruição das obrigações sociais do Estado, nomeadamente nas áreas da Saúde, da Educação e da Segurança Social, com o rol de dramas pessoais que isso acarreta, desde doentes com cancro e HIV que são recusados pelos hospitais, até aos cortes, sem dó, nem piedade, nas pensões e reformas. A fúria predadora do Estado-ladrão sobre os cidadãos, sobretudo os mais frágeis, que este governo trata como um bando de "feios, porcos e maus", é tal que até um relatório da OCDE, publicado este ano, constata que a "contenção da despesa no sector da saúde fez com que Portugal acabasse por cortar o dobro do que era exigido no memorando de entendimento com a troika"; 3) fazer da democracia uma paródia, sem ética, nem estética, sem decência, nem moral, em que se exige diariamente a revisão da Constituição da República. Ainda esta semana o presidente da Associação Industrial Portuguesa, que não precisa de usar as dissimulações do governo, exigiu a "revisão da Constituição", de modo a permitir "o embaratecimento dos custos unitários de trabalho, através da diminuição dos custos laborais e permitir os despedimentos."
E não se diga que este rumo do governo se deve à situação de "emergência nacional" em que o resgate colocou o país. O "programa" executado é o programa do PSD, pensado pelas luminárias neoliberais, o qual, em 2010, muito antes da troika cá chegar, foi explicado no congresso que entronizou Passos Coelho. É uma opção ideológica, ao mesmo tempo que representa uma opção colaboracionista com os históricos interesses hegemónicos da Alemanha que, desta vez, assumem a forma de domínio económico, usando a moeda única e as dívidas soberanas como instrumentos desse domínio.
O Portugal solidário e democrático desfaz-se, ao mesmo tempo que a Europa sonhada por muitos desde o final da segunda guerra mundial também se desfaz. É altura de recordar o poema "Europa" de Adolfo Casais Monteiro, escrito em 1945: "O sangue ensinará/ - ou nova escravidão/maior há-de enlutar/teus campos semeados/de forcas e tiranos."
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