gaspar no casino
Por Nuno Serra
Na entrevista de ontem, o ministro das finanças Vítor Gaspar fez-me lembrar um jogador de casino. Daqueles jogadores que, em desespero de causa, sentem um impulso súbito, uma espécie de intuição, um feeling. Começando a suspeitar que há qualquer coisa de errado nas perdas que foi somando (ao distribuir metodicamente, por várias jogadas, as fichas de que dispunha e dando assim conta que foi ficando cada vez com menos), decide subitamente apostar tudo, de uma só vez, no mesmo número de sempre. Confiando, portanto, que esse golpe de asa lhe trará o resultado mágico que ambiciona. Esperando que ventos de sorte o bafejem.
Foi estranho assistir ao desvanecer daquela imagem de técnico exímio das finanças, de robot que sabe com milimétrica precisão como se conserta o maquinismo das contas públicas, de conhecedor infalível das leis universais que regem as despesas e as receitas, os superavits e os défices. Do mago a quem o futuro não consegue escapar. E ver surgir, em seu lugar, a sombra das incertezas quanto à evolução do ambiente económico internacional e a manifesta incapacidade para garantir - desta vez - que o aumento sanguinário e injusto dos sacrifícios resolve em definitivo os problemas. Nada que demova o ministro, porém, de continuar a apostar tudo (e tudo de uma vez) no número que tem falhado. A frieza da razão (não a da acção, que essa continua, ainda mais gélida e implacável), dá agora lugar a um exercício de fé. Aquela fé que emerge no desespero: se acreditarmos com muita força conseguimos, se confiarmos cegamente o milagre acontece, mesmo quando se acumulam os sinais de impossibilidade.
Estamos pois em plena governação de jogador de casino. Fixem os números que o Nuno Teles aqui registou para a posteridade. E mais estes, que poderão ser premonitórios. Na verdade, as opções do governo assemelham-se mais a um outro famoso jogo de roleta, mas com a diferença de a arma dispor de cinco balas e apenas um orifício vazio. Vai ser preciso muita, mesmo muita fé.
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