vinde senhoras e senhores, meninas e meninos, depois da fábula da cigarra e da formiga vinde deleitar-vos com a mirabolante história do flautista de massamá, vinde senhoras e senhores, meninas e meninos


Era uma vez um mancebo que nunca tinha feito nada na vida. Minto. Andava de romaria em festim, de torneio em banquete, em passeatas e conspirações palacianas com os outros flautistas e, sob o alto patrocínio de um dos regentes da aldeia, Ângelo de nome mas não de feitos ou feitio, engendrou uns biscates durante uns tempos num mister que não era o dele, o de mercador, função para a qual nunca foi assaz calhado. Não tinha habilidade nem habilitações para tanto, até porque o que ele gostava era de comer um doce de quando em quando e tocar flauta. Dar música à ralé. Os sons que tirava do instrumento eram promessas celestiais, maviosos acordes que a populaça ouvia em transe. O flautista era, era sim, um virtuoso, e os pantomineiros da aldeia, menos talentosos, e menos tratantes também, elegeram-no chefe da banda, ou do bando, se se quiser ser mais exacto e contar a estória como ela foi, sem delíquios de verdade. Os aldeões o que queriam era música. Queriam mais promessas, mais manás vindos do céu, mesmo que tanto promessas como manás fossem embrulhados em ardiloso papel de fantasia, de cor laranja e pintalgado de setas erectas como punhais, símbolo dos alabardeiros e flibusteiros de que a aldeia era tão fértil. E ele, o flautista, o finório, almejava a admiração, a eterna gratidão da arraia-miúda que, enfeitiçada, trabalharia de graça, quanto muito em troca de uma côdea de pão, uma gamela de sopa rala, uma medida de vinho aguado, uma enxerga emporcalhada.

Mas o flautista queria mais. Ser apenas chefe da banda - ou do bando, melhor dizendo -, não fazia jus à sua astúcia, à sua capacidade de galvanizar e ludibriar as massas. Queria ser o chefe da aldeia inteira, dispor da vida de cada um, transformar o recôndito lugarejo num grande cárcere de escravos famintos, submissos, agradecidos. Com mais melodias de encantar, mas prenhes de promessas e de mentiras, logrou os seus intentos. A aldeia era finalmente sua, era ele quem mandava, quem punha e dispunha, e desde logo se rodeou de assessores, ratazanas cinzentas e anafadas dispostas a tudo para agradar ao novo chefe. Em resultado dos seus actos, ditados pela inexperiência ou pela maldade, ou pelas duas coisas juntas, condenou a população à miséria e a aldeia à tragédia, pior só se atacada pela peste negra. Ou por satanás.

E o povo não lhe perdoa. A raiva aumenta a cada dia que passa, tapam os ouvidos à sua passagem, deixaram de lhe querer bem. Agora, o flautista toca e canta, mas já não encanta. O povo deixou de o seguir pelas ruas, de festejá-lo, de apoiá-lo. Solitário, soturno - cego, surdo e mudo no dizer dele próprio -, o flautista é alvo de escárnio, ódio, impropérios dos mais ferozes.

O flautista ficou só, já ninguém o aclama, já ninguém o segue. A não ser, por enquanto, as ratazanas.

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