um governo "amordaçado"

Por Tomás Vasques
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Na semana passada, o ministro Miguel Relvas, pela primeira vez, em quase dois anos de governo, cumpriu com sucesso a missão que o amigo e primeiro-ministro lhe atribuiu: coordenar politicamente as acções do governo. Até aqui, o ministro- adjunto tinha sido um desastre completo, um peso-morto encavalitado às costas de Passos Coelho. Ferido politicamente pelos muitos casos que lhe caíram em cima, desde as ameaças a uma jornalista até à falsa licenciatura, cujos ecos passaram em todas as televisões do mundo, através de cartazes, desde a Volta à França, aos Jogos Olímpicos de Londres, permanecia em estado de coma profundo. Deixou de coordenar politicamente o governo e em tudo que metia o seu cunho dava para o torto, revelando uma incompetência ilimitada: a “reforma administrativa das autarquias”, a privatização da TAP ou da RTP são meros exemplos. Até à conferência sobre o “jornalismo do futuro”, realizada no ISCTE, pela TVI, nada indicava que Miguel Relvas ressuscitasse dos mortos e cumprisse o mínimo que o governo lhe exige. Mas parece que conseguiu.

Foi exactamente na semana mais negra para a credibilidade deste governo que o ministro Miguel Relvas deu um ar da sua graça. Vítor Gaspar tinha anunciado, com o mesmo ar sereno e irresponsável de sempre, o fracasso total das medidas de austeridade executadas pelo governo. Disse abertamente, pela primeira vez, que tinha falhado em tudo, dando razão a todas as vozes, e foram muitas, de vários quadrantes, que o avisaram a tempo do mal que estava a fazer aos portugueses e ao país. Nunca acertou numa única previsão, sobre as quais construiu os orçamentos de Estado do ano passado e deste ano. Agora, afinal, a recessão vai ser o dobro, pelo menos, do que tinha previsto há dois meses. E o desemprego vai aumentar mais do que a sua “genial” cabeça tinha concebido. Vergado às circunstâncias, e antecipando os maus resultados da execução orçamental, concluiu que era necessário mais tempo para controlar o défice e mais tempo para pagar as dívidas. Praticamente, só ele, Vítor Gaspar e o seu protector, Passos Coelho, ainda não sabiam isso.

O reconhecimento deste gigantesco fracasso do governo, que lançou, em vão, na pobreza e no desemprego milhares e milhares de portugueses e destruiu (e continuará ainda a destruir), por muito tempo, parte importante do tecido económico, saiu do centro do debate político, passou a segundo plano, graças ao número encenado por Miguel Relvas num auditório de uma universidade.

A saída atabalhoada, sem usar da palavra, após ser interrompido por um grupo de estudantes a cantar “Grândola Vila Morena”, o que já tinha acontecido no Parlamento ao primeiro-ministro, e ao próprio, na noite anterior, no “Clube dos Pensadores”, em Gaia, cheira a plano premeditado: a uma vitimização que desviasse as atenções das declarações de Vítor Gaspar e, ao mesmo tempo, desse ao governo um pequeno alento na sua descida ao inferno. E conseguiu, com mérito, diga- se. De muitos lados, alguns inesperados, durante os últimos dias, surgiu uma onda de solidariedade patética para com Miguel Relvas. Saiu à rua uma procissão em defesa da “liberdade de expressão” e da “democracia”, transformando quase num golpe de Estado uma pequena manobra de um ministro sem crédito de um governo desorientado. A patetice, que atingiu, de igual forma, tanto antigos ministros do PS, como insuspeitos comentadores políticos, como se o governo tivesse sido amordaçado, foi ao ponto de argumentar que o “silenciamento antidemocrático” do ministro não foi obra do povo: ali, no auditório de uma universidade, não estavam “operários da construção civil, nem casais desempregados”. Claro que não. Mas, talvez estivessem os seus filhos, principais vítimas de tudo o que está a acontecer.

Vivemos uma democracia de rédea curta, onde os cidadãos são tidos por bonecos manipuláveis – umas marionetas – sujeitos a todos os logros e enganos. Ao menor e mais pacífico protesto são acusados de pôr em causa a “liberdade de expressão” dos governantes e a “democracia” que a sociedade “bem pensante” lhes ofereceu. Os cidadãos já deviam saber, nesta altura, que a democracia não se recebe de mão beijada, conquista-se no dia-a-dia; tal como qualquer membro de um governo devia saber que o respeito dos eleitores não resulta da tomada de posse, ganha-se com a seriedade.

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