ballet rose?

Por Ana Cristina Leonardo

A primeira coisa a dizer sobre as eleições autárquicas é que a palavra “autárquicas” é difícil de pronunciar. A segunda é que o chamado “arco da governação”, versão elegante do vernáculo “alterne”, foi castigado pelo voto. Sócrates falou em débâcle,palavra francesa para “desastre”, “fracasso” ou “queda”. Mas se falou em “queda” não falou em Albert Camus – tentou apenas citar de Gaulle. Note-se, en passant (de passagem), que dé-bâ-cle é um vocábulo cheio de potencialidades: Débâcle, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Dé-bâ-cle. Nabokov não faria melhor. Literatura à parte, a terceira conclusão a tirar é que se na noite das eleições o PS tinha ganho, na manhã seguinte o PS tinha perdido. Portugal será por natureza um país dado aos paradoxos e isso explicará também que tenhamos como vice-primeiro-ministro o chefe de um partido cujas câmaras municipais se resumem a cinco num universo de 308. É o penta! É o penta! (estou a citar). Deixando de lado análises mais profundas – aos comentadores o que é dos comentadores –, que teriam de incluir a vitória do PCP (o Alentejo é vermelho, olarilas), de Rui Moreira no Porto (“não percebem nada disto”), de António Costa em Lisboa (os ciclistas deram uma abada aos taxistas), ou dos abstencionistas e demais vencidos da vida, o verdadeiro fenómeno foi o triunfo de Isaltino Morais em Oeiras, mesmo se por interposta pessoa, o que deu inclusive direito a fogo-de-artifício junto à cadeia de Caxias. Ficámos a saber que existem celas para fumadores, o que me parece bastante civilizado, e também que entre um ex-inspector da Judiciária e um condenado da Justiça, vence o segundo. Isto daria um romance que, esperamos, Moita Flores nunca escreva.

Comentários

Este texto é uma jóia.
Entre a minúcia da filigrana e a dor da pérola.
Uma conta perfeita no fio que nos descreve estes dias.

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