os pobres não se manifestam
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Os ricos querem sempre mais. Por isso protestam. Por isso vão para a rua de sapatinho Blahnik ou Louboutin, mala Louis Vuitton, fato Armani, vestido Yves Saint-Laurent. Os eflúvios de Dior, Chanel, Dolce e Gabanna pairam no ar, as jóias Bulgari, Van Cleef & Arpels, Cartier, Tiffanny, ofuscam os pobrezinhos que as miram de olhos cobiçosos, lacrimosos das cataratas não tratadas, da miopia galopante, os pobrezinhos que não se manifestam, nem sabem o que isso é, são cordeirinhos temerosos, ignorados, ignorantes, o melhor cego é aquele que não sabe nem pode ver.
Os chauffeurs levaram-nos de limousine. Atrás deles, ao longo da calçada que lhes estraga o calçado e lhes salpica a vestimenta, disgusting!, quelle horreur!, os mordomos de libré arrastam cestas com o farnel, canapés de caviar e salmão fumado, as flutes e o champanhe Moët & Chandon ou Veuve Clicquot, nunca Murganheira, chichi de gato velho. Mastigam com inegável finesse pedacinhos de tête d'achard e petit-fours porque a passeata lhes dá sede e dá larica, é preciso aconchegar o estômago, refrescar a garganta, aquietar a indignação que lhes vai na alma. Todos eles de bom ar e boas cores, do Sol da Martinica, das Seychelles, das Maldivas, das ilhas Caimão onde, por acaso, se avistaram com os gerentes de conta. Conta calada, clandestina, das melhores que pode haver, livre de impostos e das imposturas dos políticos sempre prontos a roubar-lhes os bens ganhos com o suor dos seus bronzeados rostos.
Todos desfilam contra o governo porque o governo não lhes deu tudo o que há para dar, cambada de piolhosos, filhos da classe média, filhos de seres menores, dos ricos enteados. Os nomes deles dizem tudo. Coelhos, Macedos, Silvas, Cruzes, Motas, Esteves. Nada de sonoridades, de sangue azul, de pergaminhos de família, de dedos brazonados. São, tal como os motoristas de farda e os criados de libré, meros servos, meros lacaios, mas dão tanto jeito, fazem tantos jeitinhos. Não ainda os melhores. É preciso exigir mais. É preciso continuar a desfilar pelas malditas passerelles por onde deambula a escumalha. A cheirar a catinga. Tontos de pinga e de pobreza. Tontos.
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