há lodo no cais dos estaleiros de viana
Por Daniel Oliveira
Há coisas impossíveis de explicar. E, no entanto, alguém terá mesmo de o fazer. Alguém terá de explicar como pode receber o Estado uns miseráveis 7,05 milhões de euros, em troca da subconcessão dos terrenos, infraestrturas e equipamentos dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, até 2031, sem qualquer benefício público e financeiro visível.
O Estado gastará 30 milhões para despedir 609 trabalhadores e pôr o dinheiro que falta no fundo de pensões. Como o Expresso explicou, são 23 milhões de prejuízo só com esta parte do negócio. Livra-se de algum problema? Aparentemente, não. Como se trata duma subconcessão e o Estado continua a ser o único acionista, fica com passivo. São 281 milhões. E, caso Bruxelas venha a decidir contra Portugal, terá de devolver os apoios públicos dados aos estaleiros entre 2006 e 2011. São mais 181 milhões. E há o ferrie Atlântida, recusado pelo dono da obra e que, estando em tribunal, pode custar 57 milhões. Mais o meio milhão que custa, todos os anos, por estar no Alfeite. Resumindo, o Estado fica com todos os problemas e todos os encargos para si, manda mais de 600 trabalhadores especializados para o desemprego e perde uma empresa estratégica para o país. Tudo isto em troca de 7,05 milhões. 415 mil euros por ano. 34 mil euros por mês. Pouco mais de 1100 euros por dia.
Para a opção por esta subconcessão, que em tudo parece ser ruinosa para o Estado, o ministro da Defesa usou como argumento uma decisão da Comissão Europeia, que impediria o Estado português de apoiar os Estaleiros e que obrigaria à devolução dos tais 180 milhões euros. Isto seria o resultado de uma averiguação da Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia. Acontece que a dita avaliação ainda está a decorrer. O eurodeputado João Ferreira divulgou uma resposta, a 22 de novembro, do comissário Joaquín Almunia, em que este explica que a decisão ainda não está tomada. Descoberta a mentira, o ministro veio explicar que não podíamos esperar pela decisão, que poderia demorar anos nas instâncias europeias. O governo antecipar uma decisão mais do que discutível da Europa, depreendendo que ela será negativa para os interesses portugueses, e usar isso como argumento para um negócio ruinoso é coisa que nunca pensei assistir.
O outro argumento é as despesas para manter os estaleiros. Aguiar-Branco fez ontem um relatório de horror sobre o buraco que é a empresa (ignorando, claro, que pelo menos os três últimos anos são responsabilidade sua). E, ao mesmo tempo, anuncia que a Martifer vai contratar 400 trabalhadores. 400? Não, a Martifer diz que serão mil. Que tem encomendas e parcerias por todo o mundo. E eu fico baralhado. Se o governo acredita que a empresa pode viabilizar os estaleiros é porque acredita que eles são viáveis? Se todo este mundo radioso é possível com o subconcessionário, porque é que é impossível com uma administração nomeada por si? É o governo a confessar a sua própria incompetência? A que o fez preferir deixar os trabalhadores parados durante mais de dois anos a garantir matéria prima e equipamento para dar resposta às encomendas dos navios asfalteiros para a Venezuela (pelas quais já recebeu adiantamentos) que permitiriam viabilizar uns estaleiros que foram, em 2008, responsáveis por 0,2% do PIB nacional?
Resumindo: ou o governo não acredita nas promessas que a Martifer anda a fazer, e está a enganar os portugueses, ou acredita que os estaleiros ficarão muito melhor servidos por esta empresa. O que é estranho, já que a a Martifer tem uma experiência muito reduzida e recente na construção naval. As suas áreas são as da construção de infraestruturas em aço ou alumínio e os solares fotovoltaicos. Na construção naval têm como curto currículo dois ferries para a Transtejo, duas embarcações de turismo para a Via D'Ouro e um navio-hotel de 80 metros de comprimento, estando em construção mais dois pequenos cruzeiros fluviais. A léguas de quase todas as empresas que mostraram interesse pelos estaleiros e, já agora, do próprio historial da ENVC, a única verdadeira empresa de construção naval em Portugal, com décadas de encomendas nacionais e para exportação. Não se conhece qualquer carteira de encomendas que permita à Martifer fazer as promessas que hoje faz. E a empresa acumula todos os anos prejuízos crescentes e tem uma dívida de 378 milhões. Um passivo maior do que o dos próprios estaleiros.
Mas o facto de haver apenas um candidato a esta subconcessão, tendo sido o outro (a AK russa) excluído por ter visto indeferido o pedido de mais dez dias para complementar a documentação necessária, e do presidente da Câmara de Viana do Castelo garantir que várias empresas mostraram interesse em viabilizar os estaleiros chegaria para travar este processo até todos os esclarecimentos serem dados. Negócios deste género, ainda mais com condições tão más para o Estado e para o interesse público, não se fazem com apenas um candidato e tantas coisas mal explicadas. Não se fez, por exemplo, e pelas mesmíssimas razões, a privatização da TAP. O que não era bom com Relvas não passa a ser aceitável com Aguiar-Branco.
Comentários