oh dr. relvas, faça como eu, renda-se à sua insignificância

Eu não sou doutor. A não ser para uma ou outra pessoa que, ao longo da vida, me tem tratado como tal. Ou para o meu banco. Ah, o meu banco! Ele é doutor no cartão de crédito, ele é doutor no cartão de débito, ele é doutor nos extractos de conta, afinfam com o doutor por tudo e por nada, em tudo e em nada, mais em nada do que em tudo porque os papéis do meu banco são como o meu título de doutor: valem o que valem, népia.

Mas adiante.

Tive poucos estudos, fui trabalhar cedo, tinha 14 anos (sim, nesse tempo era legal, viva Salazar!). E apesar de ter aprendido, lido, evoluído de então para cá, e não é para me gabar mas foi muito e à minha custa, sempre me  estive nas tintas para acrescentar ao meu nome a palavrota doutor, ou engenheiro, ou arquitecto, antes fosse conde ou visconde, sempre soa melhor e dá mais sainete, mas nunca me chegou o dinheiro para comprar o nobre passe para as casas de passe da alta. Porque ser-se conde ou visconde, ninguém me tira isto da cabeça, ainda é melhor do que ser-se doutor ou engenheiro. É um passe para os melhores empregos, as melhores cunhas, a boa vida.

Mas adiante.

Somos um país de doutores. Como eu nunca vi em nenhum outro lado do mundo. A tal ponto que, para não ofendermos ninguém, como faz o meu banco, pelo sim, pelo não lá ouvimos o doutor a anteceder-nos o nome que nos deram à nascença, o único válido, seja Manel seja Pancrácio seja Miguel, os pais e os padrinhos lá tinham os seus gostinhos, há que respeitá-los.

Mas adiante.

Tudo isto para dizer ao doutor Miguel Relvas que se devia estar nas tintas, como eu, para os títulos académicos. Porque, das duas uma, ou fazemos os estudos e nos sujeitamos aos exames para adquirir conhecimentos que nos permitam alcançar o almejado canudo e concomitante epíteto ou, então, o melhor é ficarmos assim. Manel. Pancrácio. Miguel. Não é vergonha nenhuma. Vergonha tenho eu quando me chamam doutor. Sem o ser.