a canga da troika e a tanga dos troika-tintas

Por António Iria Revez

A série de trapalhadas levadas a cabo ou permitidas por este Governo, o clientelismo desbragado, o tráfico de influências, os cambalachos e outras malfeitorias avulsas fazem prever o pior. No que toca a privatizações, a sensação que fica é que os senhores gerentes do País, que mais parece uma loja de venda a retalho, abriram a época dos saldos. Só falta afixar na montra um aviso: «Liquidação total da existência por mudança de ramo». Até tremo, só de pensar qual seja.

O milionário norte-americano Warren Buffet fez há tempos uma declaração que não deve ser esquecida e muito menos deixada passar como uma simples «boutade». «Existe uma guerra de classes, é verdade, mas é a minha classe, a classe dos ricos, que está a fazer a guerra e nós estamos a ganhá-la», disse ele. Já tempos antes, Óscar Niemeyer, homem que observa o mundo com particular lucidez, tinha concluído: «Antigamente os pobres estavam contra os ricos. Agora são os ricos que estão contra os pobres».

Da leitura insistente que fiz durante a minha juventude de romances policiais (coisa que não faço há muito tempo, e confesso, tenho saudades), ficou-me esta regra básica que Arthur Conan Doyle explorou na sua vasta bibliografia – «a quem aproveita o crime, aí está o criminoso». Elementar, meu caro Watson. Todavia, isto não é mais do que aquele velho axioma do Direito romano: «Is fecit cui prodest» – isto fê-lo a quem o acto aproveita. Retirando-lhe, obviamente, qualquer espírito dogmático, a verdade é que não se lhe pode negar cabimento. Então, vejamos.

A quem aproveita esta crise que grassa um pouco por todo o lado? Quem a provocou, com práticas suicidárias na aparência, destituídas do mais elementar bom senso, na perspectiva do comum dos mortais? Não me custa crer que tenha sido um acto deliberado de grande envergadura, perfeitamente calculado, e que está a dar excelentes resultados. Ouçamos quem está por dentro e fala por experiência própria, o antigo ministro britânico da Defesa, Dennis Healy: «Os acontecimentos mundiais não acontecem por acaso, são arquitectados, quer tenham a ver com questões nacionais, quer com o comércio, e a maioria deles é encenada e organizada por aqueles que abrem os cordões à bolsa».

Olhando para a situação em Portugal, é inegável que esta crise já fez mais rombos no casco dos direitos laborais do que os mais de 30 anos de políticas de direita, não obstante os denodados esforços feitos nesse sentido por todos os governos depois de 76. Tudo aquilo que foi conquistado com sacrifício, passo a passo, ao longo dos terríveis anos do antes e em plena ditadura fascista, com actos heróicos de resistência, dos confrontos das praças de jorna, das greves «ilegais», das prisões, das torturas, dos assassinatos e mais o que foi conquistado durante o período revolucionário de Abril, tende a esboroar-se. Regressamos aos níveis do século XIX, graças a uma crise que, para a classe dominante, mais parece caída do céu. Bendita crise! Está criada uma situação limite, para cuja possibilidade tenho vindo recorrentemente a chamar a atenção, contribuindo assim, embora modestamente, para a compreensão do fenómeno. No livro de Daniel Estulin «Toda a verdade sobre o clube Bilderberg», que contém material suficiente capaz de perturbar qualquer consciência, encontrei palavras que sintetizam o que tenho pretendido dizer. É aquilo que o autor designa por «estado de desequilíbrio perpétuo»: «Ao orquestrarem artificialmente crises que sujeitam as pessoas a dificuldades contínuas – física, mental e emocionalmente – é possível mantê-las num estado de desequilíbrio perpétuo. Demasiado cansadas e perturbadas (e assustadas face ao futuro próximo, acrescento eu) para decidirem do seu destino». Fala também na «sociedade crescimento zero»: «Num período pós-industrial, será necessário crescimento zero para destruir quaisquer vestígios de prosperidade. Quando há prosperidade, há progresso. A prosperidade e o progresso impossibilitam a implementação da repressão, e é preciso repressão quando se espera dividir a sociedade em donos e escravos». A propósito, cita Jim Tucker: «Deus pode ter criado o universo, mas no que toca ao planeta Terra, a mensagem do clube Bilderberg para Deus foi simplesmente isto – “Obrigadinho, mas nós agora continuamos”».

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Outro tema que recorrentemente tenho vindo a tratar é o problema da censura intelectual e informativa. Essa censura é tanto mais odiosa quanto mais escondida e disfarçada. O controlo das mentalidades faz parte do plano tendente ao domínio planetário e da implementação daquilo que a rapaziada de Bilderberg, mais os da Comissão Trilateral e arredores, adoram denominar «nova ordem mundial», que Jim Marrs chama de «IV Reich», e que Istvan Meszaros designa simplesmente por «barbárie». Não obstante estarem integrados no sistema, alguns, um pouco menos hipócritas ou por considerarem que o jogo já está ganho, são directos e falam claramente – «o nosso trabalho é dar ao povo não o que ele quer, mas sim o que decidimos que ele deve ter» (Richard Salant, ex-presidente da CBS News).
Os donos do mundo, que são simultaneamente os donos dos principais meios de comunicação, decidem o que passa na TV, o que se escreve nos jornais, o que ouvimos na Rádio, as revistas e os livros que devem ser publicados. Milhares e milhares de euros são investidos para sustentar redacções, orientar jornalistas e definir o conteúdo dos artigos dos jornais, estabelecendo metas que jamais podem ser ultrapassadas. No topo das competências estão aqueles senhores que os anglo-saxões denominam «spin-doctors» (que eu traduziria por «doutores da aldrabice»), sempre prontos a apagar fogos, a dar a volta por cima mesmo perante as situações mais embaraçosas. A censura tal como a conhecemos no século passado (e de que maneira…) tem os dias contados. Há uma notícia incómoda para o poder? Algo aconteceu que ameaça o domínio de classe? É preciso que o povo não tenha conhecimento do que se passou? Antigamente amordaçava-se o mensageiro, riscava-se com o lápis azul, ou procedia-se como nada se tivesse passado. Errado. Hoje, com a Net e as redes sociais, os telemóveis, e todas as facilidades de comunicação, esse procedimento tornou-se perigoso e até contraproducente, capaz de pegar fogo a qualquer notícia por menos importante que seja. Aí entram os «spin-doctors» em cena. Em vez da censura artesanal, faz-se a gestão da percepção do público. A notícia é apresentada de maneira que o público não perceba o que ouve, ou então perceba erradamente. Ao falar deste assunto é obrigatório referir George Orwell e o seu controverso romance «1984», onde sintetiza uma fórmula perversa do controlo das mentes que consiste em associar uma ideia a uma medida que é exactamente o seu oposto. Para isso socorre-se de uma nova língua (newspeak) onde as palavras se travestem do seu contrário. Por estranho que pareça, as modernas técnicas de manipulação das mentes socorrem-se deste truque. A newspeak invadiu o nosso mundo, o nosso dia-a-dia, e nós nem demos por isso.
É comum uma miríade de «analistas» aparecerem na TV a debitarem os seus pontos de vista que, sem contraditório, passam por verdades absolutas. Falam com determinação e desembaraço, na certeza de que vão sair vencedores. Lembro por exemplo uma entrevista de Mário Crespo a Patrick Monteiro de Barros há poucos dias. A propósito da energia eléctrica, ficámos a saber que este senhor é um acérrimo defensor da nuclear. Confrontado com o impulso dado à produção das energias renováveis, disse: «A mim, a única coisa que me interessa é o preço a que me chega cada kilovátio». O entrevistador parece ter aceitado sem vacilar a bondade deste argumento, não lhe ocorrendo qualquer comentário, como se as coisas fossem assim tão simples, e não houvesse na opinião pública sérias reservas e legítimas dúvidas acerca daquela afirmação. Barros, na sua qualidade de investidor a nível internacional, afirma que Portugal é um país onde não lhe apetece investir. E não lhe apetece investir por quê? Por uma simples e fundamentada razão: é o único país da União Europeia que tem na sua Constituição a palavra «socialismo». Crespo, com um sorriso meio cúmplice, meio complacente, diz «Oooora!…», acompanhado de um gesto pleno de eloquência, que não deixa dúvidas quanto ao valor que atribui a esse pequeno pormenor. Barros percebeu lindamente a linguagem corporal, essa poderosa ferramenta de comunicação, pelo que retorquiu: «Pois, mas está lá!». Alguém esperaria melhor da dupla Crespo-Barros? Assim vai a comunicação social que temos.

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As legiões romanas ocuparam toda a Gália em sete anos, mas para subjugarem os povos da Península Ibérica gastaram o melhor de dois séculos inteirinhos. Todavia, não obstante a ocupação territorial, permaneceram bolsas de resistência refugiadas nos picos serranos, que se mantiveram activas, com ataques fortuitos. Pois bem, é certo que já passaram mais de dois milénios. Não sei sequer se restam na nossa população descendentes dos celtiberos ou dos lusitanos, mas era bom que os houvesse. Eu sei. «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança», muita coisa muda em dois mil anos. Há que ter em conta a natural evolução das sociedades, a miscigenação, as migrações constantes, enfim, um sem número de factores. Sim, já disse, eu sei. Mas faz-me bem ao «ego» imaginar que a minha terra, aquela onde eu nasci, foi habitada por gente daquela têmpera, com aquela firmeza de carácter, meus irmãos na distância temporal. Nos finais do século XIV ainda restavam alguns, pois foi deles que o Mestre de Avis recebeu o impulso regenerador. E por aí fora sempre houve, nas horas difíceis, alguém capaz de dizer não, e de estar do lado certo das coisas e da vida, contrariando os vendilhões do costume. No início do século XIX também é possível que os houvesse. Pelo menos foi essa a convicção com que ficaram os generais de Napoleão, na fuga corrida para França. Parece que esta disposição das gentes que habitavam este minúsculo rectângulo era do conhecimento dos outros povos da Europa, pois o imperador Carlos V, quando preparava os planos que dariam à sua família o direito de se apresentarem como pretendentes ao trono português, prevendo, com fundamentada razão, que o reinado de D. Sebastião acabaria mal ou sem descendência, confessava francamente que a única coisa que estava atravessada no seu caminho era a paixão pela independência do povo português.
A série de trapalhadas levadas a cabo ou permitidas por este Governo, o clientelismo desbragado, o tráfico de influências, os cambalachos e outras malfeitorias avulsas fazem prever o pior. No que toca a privatizações, a sensação que fica é que os senhores gerentes do País, que mais parece uma loja de venda a retalho, abriram a época dos saldos. Só falta afixar na montra um aviso: «Liquidação total da existência por mudança de ramo». Até tremo, só de pensar qual seja.
Esta gente, que tanto criticou Sócrates, está fazer algo que até há pouco tempo, a alguns, parecia impossível – fazer ainda pior. Todas as medidas vão no sentido de apertar o garrote a quem trabalha ou já trabalhou. É mais uma sangria que, num doente com anemia grave, ensombra o prognóstico. Aos fautores, anima-os o mesmo «espírito científico» daqueles facultativos que «para adivinhações, campavam de ter bom tino», que conhecemos dos versos pícaros do Bocage.
Para encerramento deste leve discretear, talvez não seja desajustada esta citação do antigo presidente dos EUA, Thomas Jefferson (1743-1826): «Actos isolados de tirania podem atribuir-se a uma simples opinião acidental e momentânea; mas uma série de opressões, começadas num período distinto e prosseguidas sem alterações, não obstante as mudanças dos governos, provam à exaustão a existência de um plano sistemático e deliberado de nos reduzir à escravatura».
Já agora, uma curiosidade acerca deste homem notável. Quando o presidente John F. Kennedy recebeu 49 vencedores do prémio Nobel na sua residência oficial em 1962, declarou: «Acredito que esta é a maior e a mais extraordinária reunião de talento e conhecimento humano que já teve lugar na Casa Branca – com a possível excepção de quando Thomas Jefferson jantava aqui sozinho».

(A pedido do autor, este artigo não respeita, por razões de higiene mental, as normas do Acordo Ortográfico).

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