o não retorno



Por Ana Sá Lopes

O governo viveu durante um ano um misterioso estado de graça, enquanto empobrecia o país, aumentava a taxa de desemprego, levava as empresas à falência, cortava salários e pensões, destruía o tecido social e tentava reconduzir Portugal aos anos 70. Há um ano, o primeiro-ministro avisou de forma clarinha que o seu programa era “empobrecer” o país – ninguém se podia queixar de não ter sido avisado. Os cidadãos aceitaram pacificamente, enquanto boa parte da opinião pública se manteve convencida de que “empobrecer” Portugal era uma via excelente para o futuro. As sondagens mantinham evidente a boa aceitação do primeiro-ministro e do seu partido. Era a “paciência” dos portugueses a funcionar ou, para citar a famosa intervenção de Passos Coelho no Facebook, “aquilo de que somos feitos”.

Percebe-se, agora, que havia uma panela de pressão que, há uma semana, rebentou. O facto de, nos últimos dias, inúmeras personalidades de direita se terem juntado à contestação ao governo demonstra bem como Passos Coelho não teve a noção de que estava a assumir uma mudança sistémica que a direita portuguesa sempre evitou: implodir de uma forma descarada os mínimos de coesão, rebentar com o consenso que fundou o Estado social – feito entre sociais-democratas e democratas-cristãos na Europa e em Portugal “assinado” entre socialistas e sociais-democratas, com o CDS a assumir-se, de Adriano Moreira a Paulo Portas, como “o partido dos pobres”. Esses mínimos de coesão estão a ser extintos por Passos Coelho e Vítor Gaspar, com Portas a fazer de conta que não está a ver. Até agora, a direita sempre atirou à cara da esquerda o facto de esta “não ter o monopólio das preocupações sociais”. Depois do governo Passos, nunca mais o poderá fazer.

É extraordinário como o primeiro-ministro não teve consciência de que estava a romper um pacto de décadas ou, por teimosia ou autismo – ou os dois misturados –, pensou que a implosão social seria aceite tranquilamente em nome “daquilo de que somos feitos”.

Restam, agora, poucas alternativas ao percurso de decadência em que o governo mergulhou. O mínimo do controlo de danos será o recuo na alteração da TSU, que o próprio governo não consegue explicar para que serve: uns dias é para o eng.º Belmiro arranjar mais postos de trabalho, noutros é para baixar os preços e noutros ainda é para meter o dinheiro numa conta vigiada pelo governo.

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