dentro do pesadelo
Por Viriato Soromenho-Marques
No ano do Ultimato (1890), um grupo de cidadãos do Porto decidiu convidar o venerável filósofo Antero de Quental para presidir a uma associação cívica destinada a expressar a sua revolta contra o império britânico: a Liga Patriótica do Norte. Contudo, ao contrário do que todos esperariam, o grande poeta não invetivou a orgulhosa Albion, no seu manifesto intitulado “Expiação”. Pelo contrário, voltou-se para dentro da alma portuguesa e escreveu: “O nosso maior inimigo não é o inglês, somos nós mesmos. (…) Não é com canhões que havemos de afirmar a nossa vitalidade nacional, mas com perseverantes esforços da inteligência e da vontade, com trabalho, estudo e rectidão.”
Dois anos depois da vitória eleitoral de Passos Coelho, o paladino que derrubou o governo anterior por causa da austeridade excessiva do PEC IV, Portugal parece um campo de batalha onde foram detonadas as famosas bombas de neutrões do final da guerra-fria, aquelas que liquidariam as pessoas, deixando os edifícios intactos. Entre os 250 000 novos emigrantes, muitos deles jovens altamente qualificados, e os cerca de 300 000 desempregados produzidos pelo “ajustamento”, as “baixas” causadas pela política deste governo assumem a grandeza numérica dos confrontos das guerras mundiais. E tudo isso para continuarmos a ter um défice que não desce, um PIB com uma queda acumulada de 8,2%, uma dívida pública que disparou para os 127%. É verdade que, pela primeira vez desde os tempos da venda do volfrâmio (1943), tivemos um saldo comercial positivo. Mas isso é também um sinal da anemia de um mercado interno estiolado, e contaminado pela desconfiança. Os portugueses não compram, ou por pobreza, ou por medo. Não por virtude.
Poderia ser de outro modo? Hoje não vou perder tempo a criticar o governo de Merkel. Deixo para os alemães a explicação das razões profundas para a sua crónica incompetência quando se trata de “grande política”. Óptimos na organização do trabalho, péssimos no Estado. Foram os últimos na Europa a chegar ao Estado-Nação (1871), e nas duas vezes que quiseram fazer um império incendiaram o mundo.
Imagem: Marco Cantile/AP (http://articles.washingtonpost.com)
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