em defesa dos amanhãs que cantam
Já quase a findar o primeiro debate da campanha das legislativas, entre Paulo Portas e Jerónimo de Sousa*, Portas, com o instinto matador que tem, vira-se para Jerónimo e pergunta: «Qual é o país do Mundo onde você viu aplicadas as suas ideias e as pessoas são felizes, prósperas e livres?»
Jerónimo atrapalha-se e responde desta forma atabalhoada: «É que este partido … ao longo da sua história, com a sua ideologia, o seu projecto … tem uma coisa muito própria: foi sempre um grande partido ligado ao povo português e às suas aspirações, um partido patriótico – naturalmente com dimensão internacionalista – e não admitimos que alguém pense, tendo em conta essa história do partido, que quem lutou tanto pela liberdade e pela democracia em Portugal … que este partido, neste país concreto, com uma experiência própria e sem modelos, abdica da construção de uma sociedade diferente para Portugal.»
Ora esta atrapalhação do Jerónimo de Sousa é vital, a meu ver, para percebermos as dificuldades que A ESQUERDA de conjunto – e não o PCP em particular – tem em afirmar-se contra a direita, contra os defensores do capitalismo. É que não basta denunciar quem são os responsáveis pelas dificuldades em que vive a maioria do povo e dizer que é preciso outra política, ou que outro mundo é possível. É preciso que as pessoas acreditem que a sociedade pode funcionar de outra maneira, sem ser baseada no lucro, e que essa outra maneira é melhor do que o que temos agora.
Não basta estar ao lado das pessoas nas lutas do dia a dia. Isso é importantíssimo, claro. Mas então por que é que tantos daqueles que até são capazes de votar no parceiro de esquerda para delegado sindical ou para a direcção da colectividade acabam depois a votar num partido do sistema, no PS, no PPD ou no CDS nas eleições?
Uma explicação parece-me estar na resposta à pergunta do Paulo Portas: que imagem têm as pessoas dos países onde Jerónimo «viu aplicadas as suas ideias», dos antigos ‘países socialistas’ da URSS e do Leste da Europa? De que era preciso esperar dez anos ou mais por um apartamento, cinco anos (ou mais) para ter um Trabant ronceiro, que as prateleiras das lojas estavam frequentemente vazias, que era preciso um esquema com um amigo do Ocidente para arranjar por troca uns jeans ou uma pílula de qualidade decente (não é verdade, malta da JCP de aqui há uns anos que andou lá a estudar?), que não se podia viajar livremente, que havia milhares de bufos a vigiar os vizinhos e a fazer relatórios para as polícias políticas… (E estou só a falar do quotidiano do comum das pessoas; não estou a falar de processos de Moscovo ou de Praga, de gulags e de picaretas.)
E essa imagem é falsa? Não, é verdadeira. Por isso, hoje, após a restauração do capitalismo no Leste, com o seu cortejo de misérias, vemos as pessoas confrontadas com o desemprego, as máfias, o capitalismo de faroeste que lá existe, ainda assim preferirem isto que têm agora ao que tinham antes, no tempo de Brejnev ou de Estaline.
Por isso mesmo, a esquerda, que não tem o céu para oferecer às pessoas, para poder oferecer-lhes a possibilidade de uma sociedade diferente e melhor, tem de fazer um corte radical com essa peste negra do movimento operário e do socialismo do século XX que foi o estalinismo. Tem de lavar essa sujidade que ainda cobre a palavra para poder voltar a reivindicar o socialismo, não como um ‘amanhã que canta’ de plástico como os que apareciam na Sputnik ou no Neue Zeit,mas uma verdadeira alternativa socialista a isto que temos cá. Para que volte a haver esperança.
* na TVI, em 7-5-2011.
Com a devida vénia ao Luis Afonso por lhe ter roubado parte de um cartoon. Que passe por propaganda.
Fonte: António Paço, http://5dias.net
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