a direita cada vez mais à direita e a esquerda ultrapassada pela esquerda
Por Renato Teixeira
Depois de ler o que se escreveu no final de 2010, em toda a imprensa nacional e internacional, sobre os prognósticos para 2011, do propalado fim da crise económica à imutabilidade dos regimes no Norte de África e no Médio Oriente, respondo de bom grado sempre que me desafiam para dar uma opinião sobre o futuro. Aconteça o que acontecer, escreva o que escrever, dificilmente errarei por maior margem do que a prestigiada Times, a assertiva Newsweek, o significativo Independent ou que o incontornável Público. Para qualquer uma destas publicações as eleições marcadas para a segunda metade do ano, no Egipto, dificilmente seriam mais do que um plebiscito a Mubarak ou, na melhor das hipóteses, ao seu primogénito tanso. Os mercados, esses, sempre geniais, depois de debelar o ano zero da retoma (algo que ainda não se percebeu muito bem o que foi), anunciavam, inchados, o primeiro ano de retoma. Foram preciso poucas semanas para que todos estivessem errados e desde o final de Janeiro que, do Cairo a Tunes, de Atenas a Wisconsin, de Tripoli a Damasco, de Gaza a Pequim, em suma, de Wall Street a cada praça insurrecta, tudo tivesse que ser (re)escrito.
Neste contexto e recuperado o antagonismo que muitos académicos julgavam ter ficado nas gavetas do perigoso século XX, a política voltou a estar na ordem do dia mesmo entre aqueles que já nada esperavam da arte de mudar de vida.
Os levantamentos trouxeram resultados, quanto mais não seja porque estão a travar o passo das novas cortes, a gula dos velhos agiotas e a austeridade imposta directamente a dois terços da população mundial não está a ter capacidade de maximizar o suficiente a sua margem de lucro. Até ver, incapazes de concretizar a domesticação dos levantamentos feitos contra alguns dos seus principais aliados, incapazes de usufruir da recessão sobre o silêncio dos povos e sem grande margem para alargar a manta militar com que abraçaram o mundo, os explorados perceberam que têm uma palavra a dizer, ainda que na maioria dos casos continuem sem organizações capazes de concretizarem as suas esperanças. A resistência parece estar a vencer a barbárie mas a sua força não é ilimitada. Ao contrário do seu passado recente, a esquerda não se pode deixar seduzir pelo brilho das luzes de Bruxelas ou pelo veludo das alcatifas de Caracas, do Planalto de Brasília ou da Assembleia Nacional da 4 de Fevereiro, em Luanda. A repetição da conciliação, especialmente se for a troco de reformismo sem reformas, não será capaz de outra coisa além da repetição dos erros. Do colonialismo, hoje na sua farsa financeira, à guerra mundial entre nações, amanhã em ultrapassados choques de titãs, distam poucos passos de distância. Não nos resta outra alternativa a não ser correr violenta e radicalmente na direcção oposta.
Os arquitectos da dominação não são incompetentes sendo que para impedir o seu avanço vai ser preciso mais que abaixo-assinados, rondas de concertação social ou batalhas parlamentares tão inócuas como inconsequentes. O galope da agenda e dos negócios dos que ainda se agarram com unhas e dentes ao trono da democracia burguesa (ufa…), será mais do que suficiente para que o movimento social continue refém do medo, da preguiça, da resignação, do sectarismo, em suma, da desistência. Se não forem experimentadas novas formas de vida colectiva, reinventada a revolta e os indignados serem capazes de transformar o espontaneísmo do movimento em militância organizada, a resistência forjada por modernas vinhas da ira continuará distante do clássico do homem novo que teimosa e vagarosamente se arrasta no ventre das ideias generosas. O sabor das suas uvas fermentadas, lá para o fim do ano, vai poder ser (d)escrito com outra firmeza, mas há inevitáveis em que já ninguém acredita bem para lá dos próximos Agostos. A geração do basta está cansada de que todas as conquistas continuem a ser efémeras e de que as vitórias sejam sempre parciais. A hora é para mais do que aspirar conspirações. Não sei se assim será mas assim espero que seja.
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