um governo de cegos conduzindo cegos

Por Sérgio Lavos
http://arrastao.org

A posição de força de Espanha e de Itália antes do Conselho Europeu começa a clarificar algumas coisas.

Primeiro, que o poder de Angela Merkel na Europa foi, antes de mais, concedido pelos líderes europeus e construído sobre a tibieza de governantes como Sarkozy, Berlusconi e José Manuel Barroso. A partir do momento em que David Cameron recusou o pacto orçamental e em que Hollande ganhou as eleições em França, tudo começou a mudar. E até o tecnocrata não-eleito Mario Monti e o conservador Rajoy emergiram como opositores às políticas prosseguidas pela Alemanha.

Mas a convergência de Rajoy e Monti não é ideológica nem táctica; é simplesmente a posição natural de defesa dos interesses dos países que governam. A Espanha e a Itália interessa que o resgate à banca seja financiado com juros mais baixos. E apenas com a ajuda dos mecanismos europeus de financiamento conseguiriam isto.


A reviravolta na posição de Merkel está a criar assim uma divisão profundamente injusta entre os países resgatados - Grécia, Irlanda, Portugal - e os outros países em dificuldades. Enquanto que por cá as medidas de austeridade empobrecem o país e prejudicam o objectivo de cumprimento do défice, em Espanha e em Itália o financiamento vai ser feito sem ter como contrapartida mais medidas de austeridade.

Os "mercados" gostaram do esforço de Itália e de Espanha. As bolsas tiveram um dia em grande e os juros dos dois países baixaram bastante. Em contrapartida, os juros de Portugal tiveram uma quebra marginal, não acompanhando a euforia geral.

Mas ainda assim, Pedro Passos Coelho persiste no seu posicionamento, ao lado de Merkel e de um austeritarismo que a própria chanceler alemã começa a repensar. Passos Coelho continua a insistir em políticas que são contrárias ao interesse do país. Espanha e Itália unem-se para se proteger; Portugal agacha-se para passar despercebido e a situação económica do país agrava-se drasticamente, a ponto de já não ser possível cumprir os objectivos do défice para este ano. A política de subserviência seguida pelo Governo PSD/CDS, para além de ser humilhante e anti-patriótica, é um erro político que está a destruir o país, a levá-lo para um abismo de onde vai ser muito difícil sair.

A culpa da miséria generalizada, da brutal contracção económica, do desemprego, não é externa. Não é a troika que devemos culpar pelo estado das coisas. Várias vezes Passos Coelho repetiu que as medidas de austeridade estavam no programa do Governo. E várias medidas de austeridade foram tomadas sem estarem inscritas no memorando de entendimento, e algumas vezes contra os conselhos da troika. E o essencial do memorando - renegociação das PPP's, corte na despesa - ainda está por ser feito.

É na realidade um momento extraordinário, este que vivemos. Um momento em que um Governo eleito democraticamente governa contra o bem-estar geral da população, destruindo conquistas de décadas. Um momento de suspensão da realidade, entre a cegueira ideológica e a incompetência pura. Os indicadores económicos mostram que tudo está a falhar: o país está mais pobre, mais desigual e nem assim se consegue chegar perto do objectivo principal do Governo, reduzir o défice. Pior, a desigualdade e o empobrecimento estão a contribuir para que a meta do défice esteja cada vez mais longe. Mas o Governo insiste. Como alguém disse há uns tempos, o exemplo de Portugal, deste Portugal de agora, servirá para memória futura. Miseráveis de nós, portugueses e pobres, que somos cobaias desta experiência tresloucada. Se a História não cobrar a esta gente o que está a fazer ao país, cá estaremos nós para o fazer. Custe o que custar. Custe o que custar.

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