a velha mulher síria



Por Baptista-Bastos
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A velha mulher síria tenta escapar por uma fenda da cerca de arame farpado húngaro, que se estende ao longo de quilómetros. É uma velha mulher possante, e segue o caminho de centenas daqueles que fogem das misérias nacionais. Fica tomada numa pua e um familiar socorre-a, um pedaço de roupa prende-se, ela tenta reavê-lo, o familiar adverte-a de que não podem perder tempo, lá vêm os guardas, pressurosos e inclementes. Uma luz da tarde ilumina o rosto da velha mulher síria: um rosto sulcado por mil rugas, mil sóis e mil dores. Ela é um desses muitos milhares de seres humanos, velhos e velhas, homens, mulheres e miúdos sírios, afegãos, turcos, iraquianos, líbios, iranianos, outros, caminhantes de países hostis, afogados no Mediterrâneo, que todos temem ou desprezam, e que o discurso oficial orna de frases bonitas e intenções nobres. A Alemanha já disse que só recebe perseguidos políticos; perseguidos da fome e da miséria, não. Fogem de guerras que não provocaram, de terrores que não fomentaram, de infortúnios que não acenderam. Agora, passa um grupo de miúdos, e fazem, com os dedos, o V da vitória. Que vitória? Aquela, modesta e dramática, de passarem de um país para o outro? Os adultos, quase todos, desejam ir para a Alemanha, ou para o Reino Unido. Uns caminham num desespero que os não cansa nem estanca. Outros estacionam em Calais, na vã esperança de escapulirem pelo túnel da Mancha. São muitos milhares. Quem provocou esta miséria? Alguém é criminosamente responsável; isso sabe-se. E estou a rever Saddam Hussein a ser minuciosamente vistoriado, na boca, nos olhos, na nuca, nos sovacos, antes de ser enforcado à vista de todos. E revejo, também, W. Bush a sorrir muito feliz, e Donald Rumsfeld a negociar a reconstrução do Iraque, numa bandalheira sem recurso nem punição. E o Afeganistão com seu cortejo de mortos. E a Síria? E o resto do Mundo? A Operação Condor na América Latina, eu estava lá e assisti aos crimes cometidos em nome da liberdade. Mas que valem as palavras numa época que as perdeu porque nelas tripudiou, sem o mínimo pudor, sem o mais módico respeito pela dignidade humana pela verdade das coisas e dos sentimentos; que valem? Lá vai a velha mulher síria a correr e a fugir dos guardas húngaros, que a querem prender e recambiar. Lá vai ela, perseguida pelo ódio.

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