roubados pelo patrão, roubados pelo estado
Por Daniel Oliveira
A relação da segurança social com os trabalhadores precários é das coisas mais escandalosas a que assistimos neste País. E resume-se assim: os precários não têm direito a quase nada. Nem a subsídio de desemprego, nem a baixa. A insegurança das suas vidas é absoluta e o Estado não lhes garante nada. Mas, na hora de cobrar, não se esquece deles. Cobra-lhes os descontos que apenas servirão, se quando lá chegarem ainda existirem, para as suas miseráveis reformas. Muitas vezes cobra-lhes ainda mais do que aos trabalhadores com vinculo laboral que têm, e muito bem, direito a alguma segurança em caso de doença ou desemprego. Na realidade, segundo o novo código contributivo, o assalto será ainda maior.
Depois de muita insistência dos movimentos de precários e de ter dito que esses números não estavam disponíveis, o ministro Pedro Mota Soares lá cedeu. Ficámos a saber quantos trabalhadores a recibos verdes estão a braços com cobranças coercivas: cem mil. Cem mil pessoas que, na sua maioria, vivem na corda bamba, sem saber se amanhã ainda comem, sem poderem assumir compromissos ou ter filhos com o mínimo de paz de espírito, sem direito a nada do Estado, com o Estado à perna para lhes tirar a casa ou o pouco que tenham. Infelizmente, em muitos casos, não têm mesmo nada que lhes possa ser tirado.
O mais grave é que a esmagadora maioria destes cem mil trabalhadores não é, na realidade, fornecedor de serviços. São trabalhadores por conta de outrem roubados duas vezes. Roubados pelos seus empregadores, que para fugirem a qualquer obrigação - incluindo o pagamento da sua parte das contribuições para a segurança social -os contratam com recurso a uma ilegalidade: os falsos recibos verdes. Uma ilegalidade tolerada pelo Estado. Quando não mesmo promovida. Não é o Estado um dos principais prevaricadores, com milhares de trabalhadores a recibos verdes? Não teve o Partido Socialista um dos principais dirigentes (Vitalino Canas) como provedor pago pelos traficantes negreiros a que damos o pomposo nome de Empresas de Trabalho Temporário? E roubados depois pelo Estado, que lhes desconta no magro salário o que não lhes devolve em caso de necessidade.
Ou seja, o mesmo Estado que não garante nenhuma segurança a estas pessoas, que não fiscaliza as empresas e as obriga a cumprir a lei, que ele próprio a viola de forma descarada, diz "presente" quando chega a hora de cobrar o dinheiro. Sabendo que parte desse dinheiro deveria ser cobrado às empresas, não hesita em pôr estes desgraçados à beira do precipício para depois dar o empurrão final. Quanto às empresas que ficaram com o dinheiro que deviam ter descontado, continuam a sua vida e a contratar mais gente de forma ilegal. Com os precários ainda mais aflitos, com mais esta dívida imoral para pagar, talvez os possam contratar um pouco mais baratos ainda.
O Estado não quer saber se aquela dívida é, na realidade, daqueles trabalhadores ou se, pelo contrário, resulta de uma forma ilegal dos empregadores fugirem às suas responsabilidades. Mas ameaça com penhoras e até com a prisão as vítimas do abuso. Forte para os fracos, fraco para os fortes. É este o padrão de comportamento do Estado português.
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