a irresponsabilidade dos extremistas na hora do medo

por Daniel Oliveira
A crise financeira e económica, associada a cobardia de uma elite política, convida ao medo. E é no meio do medo que uma outra crise ganha forma: a crise do espírito critico e da exigência dos cidadãos. É nesse ambiente que o extremismo mais irresponsável costuma conseguir impor aquilo que, em momentos de maior normalidade, nunca seria aceite por ninguém de bom senso. 

Não vou analisar aqui, em pormenor, o programa do PSD. Trata-se de uma extraordinária exibição de demagogia, irresponsabilidade financeira e dogmatismo ideológico. Fico-me por duas da imensa lista privatizações: à já proposta para a REN juntou-se a das Águas de Portugal. A saída destas duas empresas do setor empresarial do Estado são o retrato do extremismo da atual direção do PSD e transformariam Portugal numa originalidade internacional.

Nenhuma destas empresas tem ou alguma vez terá qualquer tipo de concorrência. Nenhum cidadão terá qualquer possibilidade de escolha. São monopólios naturais. Mas são monopólios naturais com especial importância estratégica: quem os detém, detém a distribuição de dois produtos absolutamente indispensáveis para os cidadãos e para empresas. Com eles, manda-se em toda a economia. Vou mais longe: com eles, manda-se no País. Mesmo o mais radical dos liberais sabe que, num País da dimensão de Portugal, estas são empresas que estão no coração da nossa soberania económica.

Num momento em que já não temos soberania monetária, em que perdemos a soberania financeira e em que abdicámos da soberania política, seria natural que os partidos que aceitaram o suicida memorando da troika - que terá o mesmo resultado que teve na Grécia - ao menos não dispensassem alguns instrumentos que nos defendessem nos tempos que aí vêm - a CGD teria também, neste plano, um papel central. Quando o avião ameaça cair o PSD quer aliviar o peso livrando-se dos para-quedas.

Perante o brutal pacote de medidas do memorando, que será pago com sangue, suor e lágrimas pelos cidadãos - sobretudo pelos mais pobres -, seria normal que o pouco poder que restará ao próximo governo servisse para contrabalançar os seus efeitos económicos e sociais. Mas o PSD, exibindo qualquer coisa que estará entre a infantilidade ideológica e o sadismo social, festeja a desgraça e acrescenta-lhe mais uns condimentos de sua autoria. E, aproveitando o momento de desespero nacional, ameaça comprometer para sempre qualquer tipo de governo nacional.

É nestes momentos de medo que os extremistas, cegos pelas certezas da moda, provocam mais estragos. Passos Coelho é um homem inexperiente rodeado de radicais. Talvez nos salve a sua própria inabilidade, que se pode encarregar de o transformar em mais um líder passageiro do PSD. Talvez o salve a ele o péssimo legado de José Sócrates e a incapacidade do centro-esquerda se bater pelo seu próprio património ideológico. Uma coisa é certa: Passos Coelho, sendo um líder fraco rodeado de extremistas, é, neste momento histórico que vivemos, um homem perigoso.

Não é preciso qualquer apelo ao voto útil. Para impedir que estes lunáticos apliquem tamanhas irresponsabilidades basta garantir que a direita não tenha maioria no Parlamento. Sem ela, esta loucura, que dificilmente poderíamos remendar depois de decidida, não passará do papel. Não pode passar.

Publicado no Expresso Online
Ilustração do Pedro Vieira

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