um 25 de novembro na grécia? talvez não


Por Carlos de Matos Gomes
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Há 40 anos, perante a possibilidade de um pequeno país sair do rebanho, de não ser como os outros, de escapar do redil, as forças da ordem intervieram e reconduziram-no levado pela orelha ao fatinho e à gravata, às repartições partidárias, à obediência aos patrões que têm os seus direitos, aos senhores Champalimauds, aos senhores Espírito Santo, aos senhores Belmiros e Soares dos Santos, ao senhor Kissinger, que era a Merkel da altura.

Os portugueses tiveram de pagar a ousadia do PREC, de terem vivido acima das suas possibilidades com um salário mínimo, de ocuparem terras, de terem ofendido a santa madre igreja de Roma, de nacionalizarem os bancos essas outras verdadeiras igrejas. Sacrários! Até pensavam em falar com os russos! E com os cubanos! Tal como o novo governo grego, agora. Um escândalo que um idiota pago à peça para dizer o que lhe mandam, denunciou no Expresso, o mais consistente jornal do regime dos mercados, dos bem comportados. O tal inquisidor com cérebro de Sarah Pallin acusa o chefe do Syriza de ter dado ao filho o nome de Ernesto, como o de Ernesto Che Guevara. Um ai que vêm aí os russos comer-nos a democracia e o fundo de resgate, para o cachapim do doutor Balsemão! Que pena Alexis Tsipras não ter dado ao filho o nome de Augusto, como Pinochet. Ou Adolfo. Isso sim é que era democrático e de acordo com o BCE, o Goldman Sachs, a Moody’s, segundo o escriba. Ou Wolfgang, como o Schaüble, ministro das finanças alemão. Isso sim é nome de gente decente. O infante chamar-se-ia, para descanso dos mercados: Wolfgang Tsipras! A senhor Merkel sorriria, Passos Coelho seria o padrinho, ou o sacristão do batizado.

Adiante e autoclismo. A questão é que a Grécia do Syriza entrou, como Portugal em 1975, numa espécie de PREC. Fora da linha justa, em termos maoistas. É, tal como Portugal foi em 1975, um mau exemplo para os milhões de desempregados que as sensatas e ajustadas medidas das troikas causaram na Europa do sul, para os jovens sem perspectiva de emprego nem sequer de um estágio remunerado, para os remediados que caíram na pobreza, para os que vivem de pensões. E se os espanhóis seguem o exemplo? E os italianos? E os irlandeses? O tal Raposo do Expresso já deve estar nas urgências do Amadora-Sintra ou do Almada-Costa da Caparica há horas com um colete de forças e pulseira com guizo para não se perder.

Tal como há 40 anos, após o dia 11 de março de 1975, tocou a rebate nos gabinetes forrados a mogno dos que na Europa fazem dinheiro com um aperto de mão, ou sentados à mesa de um conselho de administração que decidiu investir em produtos invisíveis, a que deu nomes pomposos, sempre em inglês. Gosto particularmente dos CreditDefaultSwaps, os CDS, a especialidade da ministra das finanças e do secretário de Estado dos transportes, além de guarita do Jacinto Leite Capelo Rego. Operações de invisíveis correntes. Presumo que será o resultado das transferências para as pensões de tantos reformados e do subsídio de desemprego aos desempregados de longa duração.

Há 40 anos reuniram-se esses ilustres europeus croupiers de casino, sob a coordenação de James Callaghan, primeiro-ministro da Grã-Bretanha para fazer voltar o Portugal revolucionário à formatura do capitalismo europeu. Nada de aventuras. Privatizem o que nacionalizaram. Paguem aos heróicos proprietários. Mandem vir as famílias do costume, aos Espíritos o que é dos Santos. Ao Champalimaud o que era do Totta. A banca tem de voltar às boas mãos, as nossas! Foi o programa da troika da altura. Desvalorizem a moeda. Destruam essas bestas dos sindicatos. Abatam a frota das pescas. Arranquem as videiras, as árvores de fruto. Até os tomates! Podem ficar com os melões. Se forem bem redondos.

O PREC acabou em bem. A Europa estava connosco. Com coleira e trela, mas sem um banho de sangue e um novo Chile porque, ao que dizem os documentos desclassificados, os americanos decidiram confiar nas capacidades de um Carlucci, um topa a tudo com experiência em tapar manchas de excrementos de tortura com tapetes novos e o senhor Kissinger, que já apadrinhara as centenas de milhares de mortos na Indonésia, comunistas, claro e mais uns milhares no Chile, no Brasil, um pouco por toda a América do sul, comunistas, claro, lá se deixou convencer a ensaiar uma outra solução com menos Ketchup para Portugal. A coisa, isto é o atrevimento português, resolveu-se a 25 de novembro de 1975, ao que se diz, bastou uma mão cheia de agentes da CIA e duzentos veteranos da guerra colonial contratados para o efeito. A estes nem lhes pagaram. O resto é a história que fica para a história: as forças democráticas venceram o totalitarismo comunista. Há fotografias dos heróis nacionais a atestar que assim foi.

Os gregos estão hoje em melhor situação do que os portugueses há 40 anos. Felizmente para eles. Não estamos no tempo da guerra fria. O 25 de novembro e a normalização democrática, isto é a sujeição de Portugal aos padrões que se esperam sejam os de um animal doméstico, um cão de companhia, um pónei para decorar um quintal, já não podem ser cozinhados da mesma forma pelos operacionais da CIA. Em primeiro lugar porque, ao contrário do Portugal de 75, os americanos estão hoje interessados nas contradições que a Grécia introduz na burocracia que governa a Europa. Depois porque os Estados Unidos precisam dos gregos como seus aliados no mediterrâneo oriental. A Grécia é um Israel ali ao canto. Se os israelitas matam sem consequências na Faixa de Gaza, os gregos podem ficar a dever ao BCE.

A senhora Merkel vai ter de pagar os estragos. Nós também, é a nossa cota para a defesa do ocidente. Os submarinos do Portas é que não servem para nada e já necessitam de revisão, podíamos restituí-los para abater à dívida. O reforço dos laços da Grécia com os Estados Unidos, mesmo à custa do enfraquecimento dos laços da Grécia com Berlim, sabe-lhes a Mac Donald com Coca Cola, ou a hot dogs. Nada mau. Talvez não haja 25 de novembro na Grécia. Os Estados Unidos não deixarão que a Europa faça um 25 de novembro financeiro à Grécia. Os tipos da CIA estão na Ucrânia. E como são os Estados Unidos que mandam na Europa, a coisa fica assim. A Grécia vai reforçar os laços com os Estados Unidos, que são o aliado de histórico de confiança. O jovem Tsipras já disse que as suas prioridades estratégicas são o reforço das relações com os Estados Unidos e a Grã Bretanha, as duas potências marítimas a que também Portugal está ligado histórica e geograficamente.

Portugal devia fazer o que os gregos se preparam para fazer: voltar ao mar, ao Atlântico do Norte e do Sul. Era o que devia fazer Passos Coelho, se não fosse uma alma morta, daquelas que no romance de Nicolau Gogol pertencem a um dono. Ele tem uma dona: a senhora Merkel.

Como derrotado no 25 de novembro tenho um grande carinho pelo Alexis Tsipras. Acredito (faz bem ao ego) que ele aprendeu alguma coisa com a nossa derrota aqui em Portugal. Desejo que os novos dirigentes políticos portugueses também percebam que temos um caminho a fazer. Pode não ser o do Tsipras, mas não é de certeza o dos arrebentas que estão no governo. Isto devia ser claro para o António Costa e para os novos outsiders. Não é obrigatório beber retsina, nem schnaps. Temos vinho e bagaço.

Acredito (isto é, desejo) que os deuses das circunstâncias históricas se vão conjugar para Tsipras ter sucesso no papel que os progressistas portugueses teriam gostado de representar há 40 anos, de viabilizar uma alternativa aos sistemas estabelecidos que liberte os seus povos. Aguardemos.
No próximo 25 de novembro já teremos novidades…

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