doutor gaspar, vou-lhe roubar o lugar!
Nem mais: vou-lhe roubar o lugar, doutor Gaspar. Pensando melhor, vou abarbatar o seu cargo e os do doutor Passos e do doutor Álvaro. Não é difícil perceber porquê: porque, para fazer o que os três doutores andam a fazer, não são precisos grandes cérebros, nem grandes conhecimentos de economia, nem sequer grandes estudos seja do que for. É o meu perfil sem tirar nem pôr, o lugar é meu! Ou melhor, os lugares. Veja bem, doutor Gaspar: aumentar impostos, despedir, cortar, gamar, podem ser actos e medidas decretados por um qualquer. Até por mim. Aliás fazia melhor, carregava ainda mais na besta, enfraquecia-a à míngua de comida e esperança. Repare nas vantagens, doutor Gaspar: poupavam-se pelo menos dois ordenados chorudos, o do seu chefe e o do outro, o dos pastéis, mais os salários de uns quantos assessores, adjuntos, especialistas, consultores, advisers (para usar uma palavra tão cara ao primeiro-ministro), motoristas, guarda-costas, secretárias e outro pessoal maior e menor, umas largas dezenas. Dispensava carro do Estado, o meu servia muito bem. Trabalhava em casa, de forma a poderem-se alugar as instalações do Terreiro do Paço e de São Bento pela melhor oferta, a algum milionário angolano ou consórcio chinês. Poupavam-se assim umas massas valentes que iam contribuir para pagarmos o empréstimo e os juros com que, em boa hora, a troika tão generosamente nos ajudou, Deus lhes dê muita vida e saúde. Pense nisso, doutor Gaspar. Se pensar mais rápido do que fala, num ápice, enquanto esfrega um olho, vai chegar à conclusão de que é o melhor que tem a fazer. Claro que o país não vai ser tão divertido sem si, sem o doutor Passos e o Álvaro. Claro que os guarda-costas vão fazer falta para dar trolha na malta. Claro que um país onde os governantes não se passeiem em carros de luxo fará figura de terceiro-mundista. Claro que vamos sentir falta das suas conferências de imprensa, dos humores do Álvaro e de tudo o que o primeiro-ministro diz e faz mas que a decência, e a prudência, me impedem de enumerar aqui. Mas não se pode ter tudo.
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