lengalenga de portugal abocanhado



Hão-de comer sopa d'urso mas por ora a revolução está em curso, o pau vai e vem e folgam-lhes os costados, sofrem antes os desgraçados, definham os esfomeados, penam os deserdados, sufocam os amordaçados, revoltam-se os apoucados, indignam-se os aviltados, zangam-se os enganados, desesperam os esganados. Está tudo bem, insistem, insistem, um, dois, três, um, dois, três, está aí a melhoria, apregoa sua senhoria, vamos pelo bom caminho, de carreta e não de carrinho, vai Portugal e os portugueses, vai a economia sadia, vai o défice controlado, vai o pago assegurado, vai a esperança e a confiança, ai a puta da confiança que tanta falta faz à malta e ao peralta. O sinistro alemão concede um pezinho, o presidente da Comissão oferece a mão, garante ajuda, só a nós não há quem nos acuda. Vencemos a crise, insistem, insistem, um, dois, três, flectem mas não inflectem, inflexíveis, inamovíveis, autoritários, ordinários marchem, marchem daqui p'ra fora, adeus ó vão-se embora, sem demora, agora e na hora da nossa sorte ámen. Um, dois, três, um, dois, três, era uma vez um conto de crianças, de almas mansas, de mentes tansas, Portugal está melhor porque não está pior, o pior já passou, insistem, insistem, exercitam-nos a ciência do aguenta-aguentou, testam-nos a paciência, a pacatez, um, dois, três, era uma vez um conto de fadas marafadas, de fados marados, de vogais truncadas. Saltam à corda com que nos enforcarão, um, dois, três, era uma vez um maltês em forma, em Tecnoforma, um, dois, três, mais umas portas irrevogáveis, futricas, mafarricas, de luvas encardidas, de garras compridas, de sandices e safadices. Insistem, insistem, eles a dar-lhe, a burra a escapulir-lhes, flectem e não reflectem, nem na miséria, nem na precariedade, nem na emigração, nem nas falências, nem no desemprego, nem na Justiça injusta, na Saúde doente, na Educação ausente, um erro crato, um malandréu nato, um percevejo, um chato. Um, dois, três, insistem, insistem, oram à hora dos telejornais, vendem o peixe, quem quer mais?, quem quer mais?, desatam à peixeirada, convencem otários, compram salafrários, elogiam os indolentes, deslumbram os contentes, isto não podia estar melhor, é o milagre económico, o grande salto em frente, a salvação nacional, um alívio hemorroidal, são deuses na terra e nós aterrados estamos, enterrados ficamos com tantos mercados, tantos mercadores, tantos impérios e empórios, relambórios de propaganda avulsa, aldrabice convulsa, vomitórios, cloacas, cacas, matracas de polícia, poderes de milícia, tratos de malícia, de impudicícia, toca a trabalhar para a magreza, um, dois, três, para a fraqueza, um dois, três, para a pobreza, um, dois, três, que o inferno é agora, aqui e em má hora. Livremo-nos do mal, tão fatal como o destino marcado, o intestino infectado, o roubo descarado, um submarino encalhado num país escavacado. 

Abocanhado entre arrotos de pança cheia da gente fera, da gente feia.

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