os mansos
Por Carlos de Matos Gomes
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Estes dias, em que assistimos à luta dos dirigentes da Grécia de dentes cerrados contra a humilhação, em que vemos um povo a lutar e a resistir, são maus dias para pensarmos em nós, para nos revermos nos dirigentes políticos portugueses, para estabelecermos comparações entre povos. Que raio de gente somos nós?
Na revista Sábado de 18 de junho, Nuno Rogeiro, um dos exemplares mais solicitado dos topa a tudo para a cultura geral, um dos característicos da comunicação social que mais sabe de coisa nenhuma, transmitia aos leitores que iria falar sobre a “identidade” portuguesa ao grupo de 24 mulheres embaixadoras em Lisboa, o que era, nas suas palavras «Tarefa difícil. Dizer o que somos, de onde vimos, para onde vamos é uma responsabilidade.»
Responsabilidade pode ser. Difícil não é. O hino começa assim: Heróis do mar… o triste é que em terra somos mansos, como confirma uma recente sondagem às intenções de voto que dá a vitória à actual maioria. Também somos um povo de profundamente religioso e ser manso é uma virtude bíblica, além de ser uma vantagem: Mateus 5:5 «Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.» Além da bem-aventurança, o evangelista promete um prémio pela mansidão e os portugueses adoram prémios, rifas e promoções. Faz parte da nossa identidade.
Que é ser manso? Segundo dicionário é ser brando de génio, pacífico de índole. Tranquilo, plácido, sossegado. Domesticado, amansado. Também há quem há quem associe manso a fraco, ou covarde. A fazer fé na dita sondagem sobre as intenções de voto, para os portugueses ser manso é ser crente naquilo que lhes convém: a garantia de que herdarão a terra se forem mansos. Para quê então lutar?
A nossa mansidão até digeriu o mito do sebastianismo, tanta vez invocado como elemento matricial da nossa identidade. Ao contrário da voz corrente, o sebastianismo não é a espera de um redentor de humilhações, nem de um chefe que nos conduza nas batalhas, isso seria se o D. Sebastião fosse grego! O nosso mito do sebastianismo tem a sua raiz no sonho da vinda de um tio rico que nos deixe uma herança e que nos permita viver sem ter de lutar. Nuno Rogeiro bem poderia garantir às senhoras embaixadoras que somos identitariamente mais sobrinhos do que guerreiros, porque se limitava a transcrever a doutrina oficial pregada pelo presidente da República e pelo primeiro-ministro. Atualmente somos sobrinhos da senhora Merkel e do senhor Schauble, do senhor Draghi, de madame Lagarde… tios e tias que nos fazem festas na cabeça enquanto nos tratam a pão e água, porque a magreza é uma virtude e estávamos muito gordos.
Voando a 10 mil metros de altura, na última viagem presidencial, Cavaco Silva mandou dos céus umas bênçãos aos mansos portugueses. Segundo os jornais «voltou a vincar as diferenças entre Portugal e a Grécia, considerando que os portugueses compreendem bem essa diferença e reconhecem que os dois países seguiram caminhos diferentes na implementação dos programas de ajustamentos, razão porque a situação nos planos económico, social e financeiro são agora bastante diferentes.» Os mansos colheram o fruto da sua mansidão.
Já contra os belicosos gregos saíram da boca do supremo magistrado da mansa nação portuguesa alguns raios: «O governo grego foi aprendendo que a realidade é diferente dos sonhos e das promessas que são feitas em campanha eleitoral. E, de alguma forma, foi-se adaptando», referiu, notando que a situação social na Grécia é agora muito pior do que era antes do actual executivo tomar posse. Deixou ainda críticas à forma como o governo grego tem gerido as negociações com os credores, lamentando «as declarações bastante agressivas» que foram feitas às instituições da “troika”. Pois claro, nada de ofensas à “troika”, têm de pagar por essas ousadias.
Tal como Cavaco Silva, o primeiro-ministro também se apresentou durante esta crise com a capa da servidão perante o rebanho dos portugueses e zurziu nos recalcitrantes gregos: «algumas das medidas do Syriza são difíceis de ser conciliadas com aquilo que são as regras europeias.» Apelidou de «conto de crianças» a ideia de que «é possível que um país, por exemplo, não queira assumir os seus compromissos, não pagar as suas dívidas, querer aumentar os salários, baixar os impostos e ainda garantir o financiamento sem contrapartidas.»
Passos Coelho não se revê no poema de Pablo Neruda, que resume a atitude dos políticos gregos que se batem em Bruxelas desde que foram eleitos: É proibido não rir dos problemas / Não lutar pelo que se quer /Abandonar tudo por medo/ Não transformar sonhos em realidade/Ter medo da vida e dos seus compromissos/ Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
Quer o carrancudo presidente português, quer o alacre primeiro-ministro estão mais próximos do tipo de gente que Aristóteles execrou há dois mil e quatrocentos anos: cobardes são os que evitam e temem tudo, que não enfrentam coisa alguma.
Nuno Rogeiro poderia apresentar Cavaco Silva e Passos Coelho como exemplo do que somos no chá-palestra às embaixadoras. Afinal não é tarefa difícil. São mansos que andam a tratar da sua vida. A alguns portugueses causam vergonha, mas há muitos, segundo li, que ficaram felizes por esses envergonhados serem uma minoria.
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