é tudo muito bonito, mas ...

Por Daniel Oliveira

A separação de poderes é muito bonita. Mas devemos pedir desculpa por ela porque precisamos do dinheiro angolano e é uma irresponsabilidade criar problemas diplomáticos com um dos poucos países que está, neste momento, a investir em Portugal.

A soberania portuguesa é muito bonita. Mas Portugal precisa de financiamento externo não pode fazer mais do que aceitar as ordens da troika e os ralhetes da Comissão Europeia e dos governantes europeus a quem ela realmente obedece.

A Constituição da República é muito bonita. Mas Portugal não se pode dar ao luxo de ver mais medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional, porque assim será impossível cumprir as metas definidas pela troika e o segunda resgate tornar-se-á inevitável.

A democracia é muito bonita. Mas não havendo qualquer diferença entre um ou outro governo, entre votar num ou noutro partido, porque todos terão de cumprir as mesmas medidas para chegar às mesmas metas, ela é, na realidade, uma mera formalidade.

A justiça social é muito bonita. Mas, não tendo nem querendo ter moeda própria, a única forma de não nos endividarmos mais é baixarmos insuportavelmente os salários para importarmos menos e exportarmos mais. E baixarmos o imposto sobre o lucro das empresas. E continuar a ir buscar o que falta ao consumo de todos, no IVA. E salvar os bancos, do BPN ao Banif e a todos os que lhes sigam. Mas nunca salvar as empresas produtivas, porque isso violaria as sagradas leis europeias de concorrência. E não obrigar as instituições financeiras pagar por uma crise que elas próprias criaram, porque se o fizéssemos os capitais debandavam. Teremos de ser mesmo nós, os reformados, os trabalhadores, os pequenos empresários, os pobres e a classe média a pagar a factura. Porque socializar os lucros é socialismo, mas socializar os prejuízos é necessidade.

O Estado de direito, a independência nacional, a democracia e a justiça são luxos para tempos de bonança. Em crise, quando o dinheiro falta, a dignidade e a democracia não passam de lirismo. "Não há dinheiro!" Qual das três palavras não perceberam? A coragem e o patriotismo são arrebatamentos pueris e a falta de coluna é maturidade e sentido de Estado. Por isso, não se espantem ao ouvir um primeiro-ministro dizer que está disposto a tudo para agradar a um ditadorzeco. Um povo agachado de medo só pode merecer um capacho como líder.

A alternativa? Correr o risco de ser livre. E pagar a factura dessa liberdade. Seja dentro ou fora do euro, seja correndo com a troika ou negociando firmemente com ela. Pobres, se preciso for. Falidos, se tiver de ser. Mas dignos de, como povo, sermos donos do nosso destino. Ou vendidos de uma vez por todas. Se assim for, poupem-nos à farsa de ter governo, parlamento, presidente, eleições, constituição, bandeira e hino. É tudo muito bonito, mas...

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