reacções à instalação de câmaras de gás em Portugal da marca FMI

Por Viriato Soromenho-Marques

http://www.dn.pt

O relatório exploratório do FMI foi recebido por um inevitável coro de protestos. Ele sugere uma espécie de rasgar de ventre nacional, em nome da "eficiência" do Estado. Contudo, ele apenas confirma o rumo que tem levado 18 dos 27 países da UE a um agravamento do desemprego e de todos os outros indicadores sociais. Nem o FMI (e o resto da troika) nem o Governo português parecem perceber que há limites para a capacidade de um povo absorver mudanças radicais. Em 1790, o grande político e pensador irlandês Edmund Burke conde-nava a revolução francesa por ver nela a expressão de uma arrogância da razão. Ela implicaria a crença ingénua de que a sociedade é uma plasticina que se presta a todas as modelagens. Desde a criação de novas religiões, por decreto, até à reforma agrária feita na ponta das baionetas, como ocorreu na Ucrânia soviética, em 1930. Os jacobinos inauguraram "o assalto aos céus", que se estendeu, depois de muitas dezenas de milhões de vítimas, até à queda do Muro de Berlim. Burke é justamente considerado como o pai do pensamento político conservador democrático. Todavia, ele seria hoje o primeiro a erguer a sua voz contra a arrogância desta direita, voluntarista, que quer fazer regressar os europeus ao inferno da pobreza narrada por Charles Dickens. Os ditos "neoliberais" imitam hoje, na sua língua de trapos tecnocrática, a brutalidade arrogante dos engenheiros de almas do passado. Entregam a propriedade e a dignidade de povos inteiros ao confisco de uma incompetente elite de banqueiros e burocratas, em nome de "sociedades abertas". Com a mesma candura com que no passado se abriam gulags, em nome da "emancipação humana". Em ambos os casos, não é a vontade que triunfa, mas o terror nas suas múltiplas e horrendas máscaras.

Por João Ricardo Vasconcelos

http://www.activismodesofa.net

Acho simplesmente brilhante que uma instituição cujas receitas são tristemente famosas, com mãos cheias de exemplos nos últimos anos, nos venha dar um humilde "contributo para os problemas do país". E acho lindo que tenha o desplante de o fazer num momento em que o fracasso da receita aqui aplicada esteja à vista de todos.

Se existisse o mínimo de sentido da realidade na maioria governamental, este triste contributo do FMI seria visto como um autêntico "beijo da morte". Mas não. No meio da louca convição política de que este é o caminho, a cegueira intensifica-se.

Por Miguel Cardina

http://arrastao.org/

O mote foi dado por Carlos Moedas, um dos Goldman Sachs boys lusos que anda também pelo governo a tratar-nos da vidinha. “O relatório é um bom relatório”, disse Moedas a propósito do documento encomendado pelo governo ao FMI, aproveitando ainda a ocasião para mandar umas bicadas a quem, no campo do governo, ensaiou uma ligeira demarcação. Durante as próximas semanas, aliás, assistiremos a este exercício de aprovação e demarcação – “debate”, chamam-lhe os cínicos – sobre o campo minado das propostas apresentadas. Com a previsível dança de recuos, amuos e avanços, o governo pretenderá conter a contestação e manter minimamente unida a sua base social de apoio. Tarefa difícil: passadas as festas, é bem provável que os portugueses não fiquem sentados no sofá a assistir a um tão gigantesco exercício de bullying social que atinge a vida de cada um/a e o cerne da própria democracia. Bem-vindos ao primeiro trimestre de 2013.


Por José Teófilo Duarte

http://www.blogoperatorio.blogspot.pt/

Já é uma marca: FMI exige cortes em ordenados e a anulação de milhares de empregos. Os nossos credores pedem a lua e ameaçam com a miséria. Parece que afinal já não basta empobrecermos - temos que ser mesmo uns desgraçados sem cheta. Provavelmente Cavaco Silva estava certo quando disse que as reformas não lhe iam dar para as despesas. Ele lá sabia de qualquer coisa. Nunca diz é tudo o que sabe.


Por Samuel

http://samuel-cantigueiro.blogspot.pt/

Christine Lagarde, a miserável ruminante sonsa que dirige o FMI, precisou de apenas algumas horas para passar dos elogios hipócritas a Portugal e ao povo português, a este relatório monstruoso e nojento. O FMI e a ruminante sonsa vêem o país como uma manada mais ou menos misturada com outros “activos” negociáveis, bastando cortar aqui, liquidar ali, despedir acolá... para que as contas dêem certo. Não importa à ruminante sonsa, o facto de toda a gente ver que ela, todos os dias e só em farpelas e assessórios, carrega em cima do lombo mais dinheiro do que aquele que um trabalhador português com o ordenado médio da Função Pública ganha num ano inteiro. Não importa quantos milhares de seres humanos se atiram para a miséria. Não interessa quantas famílias (o que eles gostam de falar das “famílias”!!!) se destroem. Desde que o crime renda os milhões certos (ainda que os crimes anteriores não tenham rendido nada daquilo que planearam)... destrua-se! Não importa que um país inteiro se enoje e indigne. Não importa que para a GNR o relatório seja «uma verdadeira afronta», que para a Polícia seja «estranho e ridículo», que para a FENPROF signifique a possível «demolição do sistema educativo», que para os utentes do SNS seja «inconcebível», que para aqueles que realmente se opõe a esta política, como é o caso do PCP, se trate apenas da «continuação do roubo do povo português».

O que importa é satisfazer os fanáticos das contas, de que é exemplo o “alegre” secretário Carlos Moedas, para quem o relatório, evidentemente, «muito completo e importante», acrescentando mesmo que «o Governo não elimina qualquer medida do relatório». Esta canalha troikista e o governo que a serve, deve ser varrida! Toda a resistência é legítima!!!


Por Francisco Furtado

http://5dias.net/

A discussão em torno da destruição (também designada por reestruturação) do Estado, ou melhor das funções sociais do estado, iria ser sempre difícil para o Governo, mas parece que começou da “melhor maneira“. O processo não se iniciou hoje, mas a divulgação do relatório FMI põe o assunto na ordem do dia e o IV Reich exige que a coisa esteja despachada lá para Fevereiro (grosso modo).

É bem possível que isto venha a ser uma espécie de TSU ao quadrado, espero bem que sim. Estes planos (mesmo numa versão light), a serem implementados, representam a vitória total do governo e do grande capital. Marcarão o país (e não só) pelo menos por uma geração. São um conjunto de propostas terroristas e ilegais/ anti-constitucionais.


Este é um momento em que a convergência de tod@s em torno deste objectivo é absolutamente fundamental. O Relatório FMI só pode ter um destino, a sua absoluta destruição e eliminação. E se é para derrubar o governo na rua, o momento é agora, não haverá melhor ocasião.


Por Joana Lopes

http://entreasbrumasdamemoria.blogspot.pt/

Sim, o Relatório do FMI, do principio ao fim (saltando muitas notas de pé de página, é certo). Fechei-o com a convicção de que é uma «boa» cartilha que se inscreve num plano desesperado de tentativa de salvação, não de Portugal (who cares?...), mas de uma Europa exaurida e ameaçada por tudo o que a cerca. Bem alicerçado ideologicamente, de uma coerência sem falhas, fiel a um neoliberalismo tecnocrático (ou utilize-se uma outra qualquer designação, pouco me interessam etiquetas) que tudo leva à sua frente para que alguns senhores do Ocidente não naufraguem e não sejam atirados pelos emergentes da globalização para uma gloriosa história do passado.

Salvem-se os mais fortes, custe o que custar, «rasguem-se os ventres», como diz Viriato Soromenho-Marques, mesmo que «18 dos 27 países da UE vejam agravados não só o desemprego, como todos os outros indicadores sociais».

Mais: «Esta direita, voluntarista quer fazer regressar os europeus ao inferno da pobreza narrada por Charles Dickens. Os ditos "neoliberais" imitam hoje, na sua língua de trapos tecnocrática, a brutalidade arrogante dos engenheiros de almas do passado. Entregam a propriedade e a dignidade de povos inteiros ao confisco de uma incompetente elite de banqueiros e burocratas, em nome de "sociedades abertas". Com a mesma candura com que no passado se abriam gulags, em nome da "emancipação humana". Em ambos os casos, não é a vontade que triunfa, mas o terror nas suas múltiplas e horrendas máscaras.»

Foi isso que encontrei no dito Relatório - e é de terror que se trata. É aqui que estamos, para onde vamos é uma trágica incógnita. Tudo o resto é puramente anedótico: saber a que horas seguiu o «papel» para quem, que vírgula foi acrescentado por este ou por aquele protagonista, etc., etc., etc. E, no entanto, foi mais ou menos isso que a comunicação social nos serviu ontem à noite...

Acordemos do susto. Antes que seja demasiado tarde. 


Por João Rodrigues

http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/

Se não temo o erro, é porque tenho poder para repeti-lo vezes sem conta. Isto é a troika e o seu governo. O governo encomendou o relatório ao FMI, forneceu os 'dados', em muitas conversas que se agradecem, e partilha as ideológicas conclusões, de resto há muito já tiradas, por exemplo, no Banco que não é de Portugal. Esta gente sabe que o seu plano só pode ser executado sob tutela externa. O corte adicional de 4000 milhões de despesa pública, como não podia deixar de ser, é directamente um corte de rendimentos, entre salários directos e indirectos. Depois é só multiplicar os efeitos no resto da economia. É sempre a comprimir a procura, sempre a assegurar a transformação da recessão em depressão. A conversa das “gorduras” era, todos o sabem agora, uma fraude. Gorduras são salários, pensões, subsídios de desemprego. Gorduras são postos de trabalho numa altura de desemprego de massas, o que serve o propósito de sempre: criar medo e desespero para fazer baixar ainda mais os salários. O público contamina o privado. O resto é um multiplicador da desigualdade: cortes na base mais frágil de um sector público relativamente diminuto e, apesar de tudo, mais igualitário do que o desigual sector privado, nova machadada na universalidade das prestações sociais, decisivos avanços privatizadores na educação, maiores barreiras monetárias no acesso ao que resta dos serviços públicos, entre outros mecanismos. Uma grande redistribuição de baixo para cima, em suma. É o chamado “internacionalismo monetário”, ou melhor, o europeísmo monetário...


In http://jumento.blogspot.pt/


O que mais impressiona neste folhetim do relatório do FMI e na própria actuação desta instituição internacional desde que foi chamada a participar na troika é a leviandade, a incompetência e o nível banal das conclusões dos seus documentos ou das intervenções públicas dos seus responsáveis. A isto acresce a ideia de que o que o FMI sugere não passa dos fretes de alguns membros mais extremistas do governo, o desrespeito pelo memorando inicialmente assinado, o total desprezo pelas instituições nacionais. Como se tudo isso fosse pouco e o espectáculo não fosse suficientemente deprimente com as intervenções pública de personalidades como o imbecil do Salassie, percebe-se agora que entre os relatórios preliminares há um tira e põe que vai desde ideias de última hora até à censura de conclusões que não interessam ao governo.

A ideia do rigor e da seriedade do FMI está a ser estilhaçada com a sua intervenção em Portugal, uma intervenção muito pouco digna dos pergaminhos da instituição, com responsáveis a comportarem-se como sargentos da tropa e uma seita de consultores que não passam de fedelhos contratados à pressa e de pensionistas recrutados noutras administrações públicas. As propostas não passam de um corta e cola de outros projectos, copia-se num país para sugerir no outro com ares de conclusão científica, muitas das supostas ideias do FMI não passam de contrafação institucional, são cópias de ideias feitas em outros países, às vezes sem que hajam garantias de sucesso. Não é difícil de adivinhar que, por exemplo, o FMI já esteja a copiar o sistema português de cobrança de dívidas fiscais ou o e-fatura das faturas obrigatórias para com ares de grandes sabedores venderem à Grécia a ideia roubada a Portugal.

A intervenção do FMI em Portugal está a ser uma fraude o que já foi particularmente assumido ao mais alto nível. Quando se cobram juros altíssimos, se paga comissões chorudas para nos mandarem gaiatos e pensionistas e no fim se elaboram relatórios cheios de banalidades está a enganar-se todo um país. Não faz sentido que o FMI venha defender que é necessário cortar a despesa do Estado num determinado montante, propondo o maior despedimento colectivo na história da Europa ocidental sem dedicar uma única página a demonstrar o porquê desse montante. Parece que toda a outra despesa, que as perdas de receitas fiscais em consequência do excesso de austeridade, as famosas rendas excessivas, a renegociação das PPP, o corte com a despes nas empresas públicas supostamente ineficientes, tudo foi esquecido ou resolvido. Nunca existiu um BPN e muito menos um BANIF, o Gaspar não perdeu receitas, tudo correu bem, a receita do FMI foi eficaz, mas mesmo assim é necessário triplicar no corte da despesa pública.

O FMI foi multiplamente incompetente, foi incompetente porque elaborou um memorando que agora sugere que estava totalmente errado, foi incompetente porque não previu o impacto recessivo das suas medidas e as consequências negativas quer no aumento da despesa, quer na redução da receita, foi incompetente porque iniciou uma intervenção numa economia sem avaliar devidamente as causas da situação e ignorando o problema do crescimento, foi incompetente porque tem ignorado o quadro institucional de um país democrático insistindo em intervir como se Portugal fosse uma república das bananas onde um qualquer ditador pode governar sem limites constitucionais, foi incompetente e agiu de má fé quando assinou um memorando de entendimento com três parceiros representando um Estado soberano e agora ignora um dos parceiros porque os outros dois são totalmente obedientes.

Começa a ser tempo de responsabilizar internacionalmente o FMI pelas consequências da incompetência, má formação humana dos seus responsáveis e irresponsabilidade dos responsáveis designados para conduzir a ua delegação em Portugal.


Por Ana Sá Lopes

http://www.ionline.pt

Esqueçam: as coisas estão a aproximar-se rapidamente do fim. Podia ter acontecido com o escândalo da TSU – Passos chegou a afirmar em círculo privado que se iria demitir, como o i revelou na altura – mas com uns recuos, umas flores e uns sapos vivos presos na garganta do CDS o governo manteve-se.

Em conformidade com o espírito dominante em São Bento, existe neste episódio da apresentação do relatório do FMI sobre a extinção do Estado social a mesma noção de impunidade governamental que ditou a displicente conferência de imprensa de 7 de Setembro em que o primeiro-ministro fez a comunicação ao país a anunciar que ia subir a contribuição dos trabalhadores e descer a dos patrões. Falta agora o habitual recurso de Passos ao Facebook, para difundir a sua humildade digital, explicando aos “amigos” que o que se passa é que está tão condoído como os outros todos.

No entanto, é público e notório que Carlos Moedas nunca teria feito a figura que fez ontem sem a ordem expressa de Passos e Gaspar. Além de apadrinhar o relatório dos técnicos (um texto profundamente imbuído da teoria gaspariana da resolução das crises: fazer implodir o Estado social e chorar os mortos), Carlos Moedas ocupou-se também da tarefa de desautorizar o ministro do CDS Pedro Mota Soares, que pela manhã tinha criticado vários aspectos da bomba que o FMI arremessou através do “Jornal de Negócios”.

O CDS demarcou-se, o CDS está contra, o CDS não viabilizará – o CDS pode, efectivamente, romper. Mas mais que ouvir o CDS é fundamental ler o que escreveu Carlos Carreiras, apoiante de sempre de Pedro Passos Coelho, presidente do Gabinete de Estudos do PSD e da Câmara Municipal de Cascais. Ao referir-se à declaração de Moedas de apoio ao relatório do FMI, Carreiras afirma que “um membro de um qualquer governo que tem a ‘inteligência’ de produzir uma afirmação desta natureza, perante um relatório com este teor, só pode ter uma atitude – abandonar as funções governativas, deixar a política e assumir que aspira a ser consultor técnico”. A questão, como bem sabe Carlos Carreiras, é que Moedas está a cumprir à risca as indicações de Passos e de Gaspar. Sabemos perfeitamente que Gaspar terá um grande futuro como consultor técnico. O grito de indignação do relativamente disciplinado presidente da Câmara de Cascais é um sintoma de que o cancro alastrou às células vitais de apoio ao governo. Agora é contar os dias que faltam para o fim.


Por Pedro Lains

http://www.ionline.pt


Talvez a pergunta mais importante que se deva colocar relativamente ao relatório do Fundo Monetário Internacional sobre o Estado português, intitulado “Rethinking the State. Selected Expenditure Reform Options”, ontem divulgado, seja a de saber como é que a direcção do Fundo se permite fazer um papel destes. Uma pergunta secundária, sendo mais comum, é a de perceber por que é que o governo português se dá ao trabalho de montar este tipo de esquemas.

A política económica e financeira do governo é há muito marcada pela iniciativa do ministro das Finanças, cujo poder está na directa proporção da falta de conhecimento dos seus colegas de governo sobre a economia portuguesa na actual crise. Ora, acontece que Vítor Gaspar, depois de ter entrado no País como o técnico exímio que iria marcar a diferença e tudo mudar, com a sua “contracção expansionista”, isto é com a ideia de que as economias devem ser apertadas para depois crescerem, e a sua “profunda reforma estrutural”, revelou-se uma desilusão para muitos e muitos dos antigos apoiantes, dentro e fora dos partidos de governo, têm vindo a abandonar o barco.

Entre as instituições que, aparentemente, se afastaram de algumas opções governativas, conta-se a Comissão Europeia (embora não necessariamente o seu Presidente, Durão Barroso). Será por isso que o relatório agora lançado à opinião pública sobre o Estado seja da autoria exclusiva do FMI e não tenha a assinatura dos restantes membros da troika. Bem sei que o que aqui se diz especulativo, mas é também legítimo. De qualquer forma, temos uma acção isolada, o que facilita a sua análise.

O Fundo Monetário Internacional foi criado para gerir as finanças internacionais, permitindo salvar países com dificuldades nas suas contas externas, mas com potencial para as ultrapassar. Tal papel tem sido fundamental, uma vez que a economia internacional é necessariamente pautada por desequilíbrios decorrentes do mau funcionamento dos mercados financeiros ou de problemas de crescimento económico, que têm de ser corrigidos. Sem o FMI, as crises financeiras levariam à saída dos países afectados do circuito económico internacional e isso deve a todo o custo ser evitado.

Acontece que os empréstimos concedidos pelo FMI têm de ser acompanhados por medidas de condicionalidade, isto é, por medidas que vigiem os governos ajudados. São essas medidas que permitem que os juros sejam mais baixo pois diminuem o risco dos empréstimos. Esse princípio é fundamental: nunca poderia ser de outro modo. Todavia, o FMI tem para mostrar, nesta matéria, resultados muito negativos, por uma razão acima de todas as outras, que é a de que as suas intervenções são maioritariamente feitas em países menos desenvolvidos, o que significa que juntam a inexperiência dos técnicos do Fundo à incapacidade política dos países sob intervenção. Recorrentemente surgiram caldeirões de políticas pouco recomendáveis, em muitos casos com o apoio de governos ditatoriais. De notar que países como a Argentina ou, mais recentemente, o Brasil, se foram libertando desse círculo vicioso, à medida que as respectivas instituições políticas nacionais ganharam maturidade. A alternativa ao FMI nem sempre é brilhante, mas também nem sempre é pior.

O Fundo Monetário Internacional conhece bem os problemas do passado e vive num momento de reflexão que levará a alguma transformação. Mas está a levar demasiado tempo, o que não abona seguramente a eficiência da organização – porventura seria bom que concentrassem alguma da atenção que destinam aos países à sua própria reforma.

A presente crise internacional e, em particular, a enorme disfunção da zona euro, levou o FMI a entrar em contacto com economias mais desenvolvidas, como é o caso de Portugal, da Irlanda ou da Grécia. Até à crise internacional de 1973, tal não tinha acontecido pois o sistema de Bretton Woods, de que o FMI faz parte, funcionou relativamente bem com as economias mais avançadas. Na década de 1970, algumas intervenções do Fundo foram feitas junto de países desenvolvidos, como a Grã-Bretanha, mas foram intervenções episódicas.

Quando chegaram a Portugal, os técnicos do FMI, se não se precaveram, foram seguramente surpreendidos com a qualidade das instituições nacionais, e com o nível de conhecimento das matérias, mas não se fizeram rogados: utilizaram aquilo que havia para fazerem o seu trabalho. Note-se que o enquadramento institucional do Fundo pode não ser o mais apropriado, mas que depois os seus funcionários no terreno têm certamente qualidades para se adaptarem. Só que aqui apareceu outro problema, que foi o de o Fundo, juntamente com as instituições a que se associou, nomeadamente, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, passar a desempenhar o papel de porta-voz de interesses nacionais. É certo que os interesses assim veiculados são aqueles que têm pontos em comum com os dos credores, mas não deixam de ser interesses próprios. Foi por isso, para citar apenas um exemplo, seguramente um dos mais importantes, que as privatizações apareceram no memorando português mas não no irlandês.

Em contacto com um país desenvolvido, como Portugal, os técnicos do FMI acabaram por fazer o papel de caixa-de-ressonância das ambições nacionais ou, melhor dizendo, das ambições dos grupos com que dialogaram. Aquando da realização do Memorando de 2011, esse facto foi evidente, mas não tão grave, uma vez que o Fundo teve a companhia das outras instituições da troika, e um leque mais alargado de interlocutores, no governo e na oposição.

No relatório aqui em análise, o FMI teve como interlocutor exclusivo o governo português, ao seu mais alto nível, que lhe deu um objectivo concreto, à partida, a saber, um corte para sempre de 4 mil milhões de euros nas despesas do Estado (sem sermos informados como esse valor foi calculado).

Tendo esse propósito como base, o que o relatório faz é estabelecer comparações de médias de despesas em vários itens, sem se preocupar com a fidedignidade dessas médias e das comparações, para depois concluir sobre “cortes”. Trata-se de um trabalho preliminar, de amplo espectro e sem profundidade. Para dar um exemplo relevante, o relatório contém um quadro em que se comparam os salários médios da função pública de vários países com os respectivos níveis de PIB per capita, mas não tem em consideração diferenças de qualificações entre o público e o privado. Todavia, num país que só na actual geração atingiu o pleno da escolaridade obrigatória, como Portugal, a função pública, com os seus médicos, juízes, professores e enfermeiros, tem um nível de escolaridade acima da média da população nacional, ao contrário do que acontece nos países com três ou mais gerações de literacia plena. Um azar, para os “peritos”.

O caderno de encargos implícito no relatório do FMI não se traduziu apenas na definição do montante a cortar, mas também, objectivamente, no leque de matérias em que as comparações são feitas. O Estado português tem outras despesas que não as sociais relacionadas com pensões, saúde, educação e segurança, mas o relatório passa totalmente ao lado disso. E nada diz sobre o impacto do corte de 4 mil milhões no produto nacional e, por essa via, nas receitas futuras do Estado. Num relatório que se quer completo, a ausência de tanta coisa importante só pode estar associada ao caderno de encargos.

Em conclusão, e respondendo às questões com que começámos, que um governo fraco use um esquema destes para fazer agenda e impor uma política, ainda se compreende. O que não se compreende de modo nenhum é que o FMI entre num jogo assim. Não admira que a Comissão Europeia não tenha entrado nele – embora nada garante que não o venha a fazer, pressionada pela Alemanha ou por Durão Barroso.

É duro ter de falar assim de instituições com pergaminhos. Mas é também necessário quando são capturadas por interesses que nada interessam ao progresso das nações e da Europa.



Imagens: http://wehavekaosinthegarden.wordpress.com/

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