a grande revolução da língua portuguesa

Cágado ou cagado? Acta ou ataActo ou atoFricção ou Frição? Cacto ou cato? Facto ou fato? Omnipotente ou onipotenteEgipto ou EgitoSúbdito ou súdito? Aritmética ou arimética?

É por estas e por outras que tais que não adoptei a nova ortografia. É areia demais para o reservatório que carrego no cocuruto.

Mas, como se não bastasse o acordo com o qual a maioria está em desacordo (mas também não estão de acordo com o governo e este não cai nem por nada), aparecem-me agora os criativos governantes da Nação - ainda ontem dizia que as ideias lhes jorram dos cérebros como merda em cu de elefante diarreico e não ando longe da verdade - com um vocabulário totalmente diferente daquele que aprendi.

O mal deve ser meu, que resisto à mudança, que não me adapto aos novos tempos, que sou um parafuso pelos vistos enferrujado nesta engrenagem que se quer oleada, limpa como cueiro de recém-nascido.

No meu tempo, quando se mandava um empregado para o olho da rua dizia-se Despedimento. Agora não. Agora fala-se em Requalificação. Também aprendi que Empobrecimento significava depauperar, arruinar, tornar pobre. Agora não. Agora diz-se Ajustamento. Se alguém tomava uma decisão Irrevogável, isso queria dizer que não voltaria com a palavra atrás, que a intenção era definitiva, inabalável. Agora não. Agora, a palavra irrevogável caiu em desuso, foi substituída por Reversível, ainda deve ser uma consequência do acordo ortográfico, uma simplificação linguística que abre Portas ao dito-por-não-dito. E ainda há mais, muito mais. Memorando de Entendimento? Ocupação do País. Ajuda Externa? Roubo Generalizado. Austeridade agora diz-se Desigualdade. Corrupção passou a ser Documentação Mal Preenchida. Corruptos são Parceiros de NegóciosCorte substitui a palavra Imposto mas, na prática, são uma e a mesma coisa. Orçamento de Estado quer dizer Certificado de Falência. Indignação é Pieguice. Emigração rebaptizou-se como Oportunidade. Constituição designa-se agora por Letra Morta. Estado Social não são mais do que Gorduras. Ainda quer mais? Então vamos a isso: Desastre Económico virou Progresso Económico. Roubo é, tão só, uma Obrigação Fiscal. BPN tornou-se BIC. Presidência da República passou a mencionar-se como Residencial Sénior de Belém. Impunidade tomou o lugar de Justiça. Feriados e Fins-de-Semana são Direitos Abusivos. Férias são DesperdícioGreves são Crimes. Manifestações são Actos de Vandalismo

Ainda estou, no entanto, para perceber o significado de Condição de Recursos. Que quererá isto dizer? Assalto? Abuso de Poder? Assassínio Premeditado? Ou será antes a versão, revista e actualizada, da expressão Injecção Atrás da Orelha, prática malfazeja atribuída aos vermelhuscos mas onde, pelos vistos, os laranjóides é que são especialistas?

Estou a ficar velho. Vou pedir a reforma, da Pátria, da língua e a minha própria. Ainda haverá lugar para mim em Belém?

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