josé saramago e o pato do dia

Por António Fernando Nabais

Depois do pato com laranja, a nouvelle cuisine ortográfica inventou uma receita: o “pato com o diabo”. Não me espantaria que tivesse origem na criação de patos de silêncio, esses simpáticos palmípedes anunciados ao mundo graças aos bons ofícios do chamado acordo ortográfico.

A nova iguaria pode ser encontrada na 12ª edição de Caim, de Junho de 2011, como é possível ver-se na imagem supra, tratada com o habitual desvelo pelo João Roque Dias. Poder-se-ia dizer que José Saramago, depois fazer viajar um elefante até Viena, mandou um pato para o inferno, terrível crueldade. Note-se, ainda, que esta obra faz parte do Plano Nacional de Leitura: aliás, a descoberta do animal deve-se a um aluno de 12º.

É claro que o “pato com o diabo” não está no original. Saramago usou e abusou do engenho e da imaginação, sem que isso implicasse maltratar a ortografia.

O contrato com o demónio que se transformou em parente de Donald será, portanto, mais um resultado (in)esperado de um alegado acordo ortográfico que – insista-se – não só não é acordo como deu origem a erros que, anteriormente, eram inexistentes ou, no mínimo, residuais. Este espécime é, também nisso, da mesma família de fatos e contatos.

A não ser que… Lembrei-me, agora! Sigam o meu pensamento, por favor! A Caminho, editora de Saramago, foi comprada pela Leya, certo? Certo! A Leya, por sua vez, procura estender-se ao mercado brasileiro. Vai daí, pode ser que a opção por “pato” se prenda com a grafia brasileira da palavra, a lei dos mercados a sobrepor-se, naturalmente, às regras da ortografia, que é preciso é vender, nem que seja consoantes!

É com a ânsia de confirmar, vaidosamente, um raciocínio com tudo para ser brilhante que consulto o Aurélio. Eis a desilusão: os brasileiros, teimosos, insistem em continuar a escrever “pacto”.

De qualquer modo, as obras de Saramago, no Brasil, são editadas pela Companhia das Letras. A curiosidade aflige-me. Será que, na edição brasileira de Caim, o diabo terá direito a pato?

Entretanto, num pequeno país da Europa, os maus tratos sofridos pela ortografia já se estendem às edições dos livros do único Nobel da Literatura que a língua portuguesa recebeu, o que é mais uma maneira de propagar o erro. Também neste campo, a leviandade é o pato do dia.

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